03/08/2018 - 20:59

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Ainda e sempre, a imparcialidade

03/08/2018 - 20:59

Ainda e sempre, a imparcialidade

Ainda e sempre, a imparcialidade

 

Flavio Galdino*

 

Nemo iudex in causa propria. A afirmação de que ninguém pode ser juiz em causa própria parece tão simples e auto-evidente que ninguém questiona sua validade e correção. Na prática, infelizmente, constatam-se diversas situações de violações, tão graves quanto atuais. É por isso que estudos empíricos bastante autorizados indicam que a imparcialidade e a independência dos juízes devem ser tratadas como constantes conquistas civilizatórias. Dois exemplos recentes da experiência política e jurídica brasileira confirmam essa orientação.

 

No episódio em que um governador e diversos deputados locais são acusados de práticas de ilicitudes, o órgão legislativo competente incluiu na composição do órgão que deveria apreciar as acusações contra o chefe do Poder Executivo alguns dos parlamentares acusados. A violação do dever de imparcialidade é tão gritante que sequer deveria ser objeto de cogitação. Todavia, foi necessária uma decisão judicial afastando os parlamentares que, não apenas aliados ao governador, eram acusados de participar do esquema de ilicitudes.

 

Em outro episódio, na própria seara judicial, os tribunais superiores suspenderam alguns dos mais rumorosos processos judiciais criminais do país com base, dentre outros motivos, no que foi considerada uma fundada suspeita de parcialidade do magistrado responsável pela condução do processo. A se confirmar o vício de parcialidade, é possível que todo o processamento seja considerado viciado, com enormes prejuízos para a defesa e, nessa hipótese, também para a acusação. Nesse caso, também tem parecido às nações civilizadas que o juiz que atua de forma intensamente investigativa e persecutória não possui a imparcialidade necessária ao julgamento - e, ainda que possua estado anímico imparcial, seu comportamento, objetivamente, sugere desconfiança das partes e da sociedade quanto à imparcialidade, o que também não se admite.

 

No segundo caso citado, a conduta do magistrado alegadamente afetava o dever de tratamento igualitário das partes do processo - que é um corolário do dever de imparcialidade -, porquanto sequer seria assegurado aos advogados de determinados acusados o acesso às informações constantes do processo judicial, ao pálido argumento de que isso poderia prejudicar o prosseguimento das investigações, o que é inconcebível após a instauração do processo judicial - ao menos após a instauração do um devido processo legal. Nesses e em outros tantos casos revela-se com clareza a posição de centralidade e atualidade da imparcialidade no sistema processual.

 

Além disso, ao atraírem a atenção da opinião pública e da coletividade em geral, esses casos demonstram que a legitimidade das decisões depende diretamente da imparcialidade dos julgadores, de modo que não basta ao julgador ser imparcial, é imprescindível que ele atue de modo imparcial a ponto de gerar e manter a confiança dos jurisdicionados na sua imparcialidade.

 

É o que, dentre outros tribunais, a Corte Européia de Direitos Humanos vem designando como tutela da confiança na imparcialidade judicial. Esse tribunal utiliza-se de uma expressão popular que ganhou ares técnicos: à mulher de César não basta ser casta, é preciso parecer ser casta - ao juiz não basta agir de modo imparcial, é imperativo que a comunidade veja a sua atuação como sendo imparcial.

 

A imparcialidade é um elemento característico e inafastável do moderno conceito de jurisdição, integrando a cláusula constitucional do devido processo legal e sendo exigível em quaisquer processos jurisdicionais e na maioria dos processos administrativos, como sejam os procedimentos administrativos disciplinares.

 

É dever dos advogados, que exercem função essencial à administração da Justiça, a constante fiscalização do cumprimento pelos julgadores do dever de imparcialidade, como condição indispensável para a justiça das suas decisões.

 

*Professor-doutor de Direito Processual da Faculdade de Direito da Uerj e conselheiro da OAB/RJ

 


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