03/10/2013 - 16:00

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Espionagem ame ricana apressa votação do Marco Civil da Internet no Brasil

03/10/2013 - 16:00

Espionagem ame ricana apressa votação do Marco Civil da Internet no Brasil

EDUARDO SARMENTO
 
Após o vazamento de documentos da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) que comprovam a espionagem das comunicações eletrônicas e telefônicas da presidente Dilma Rousseff e da Petrobras pelo governo norte-americano, voltou à pauta a necessidade de aprovação do Marco Civil da Internet. Foi publicada no dia 11 de setembro, no Diário Oficial, mensagem de Dilma solicitando regime de urgência para o projeto, o que significa, na prática, que caso não seja votado em 45 dias ele tranca a pauta da Câmara dos Deputados, onde está parado desde novembro de 2012.
 
Após seis tentativas frustradas de votação, o relator do projeto, deputado federal Alessandro Molon (PT/RJ), acredita que finalmente a situação vai evoluir. “Está tudo pronto há um ano. Infelizmente foi necessário um escândalo como esse para que as coisas andassem. Com a urgência constitucional, a pauta será trancada caso o Marco Civil não seja posto em votação até o dia 28 de outubro”, explica. Após apreciação na Câmara, o projeto segue para o Senado, que tem mais 45 dias para votá-lo.
 
De acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da rede mundial de computadores no país, o projeto é baseado em três pilares: privacidade, neutralidade e inimputabilidade da rede. Ex-integrante da entidade, o jornalista Gustavo Gindre considera pouco realista o objetivo de evitar totalmente a bisbilhotagem na rede mundial de computadores. Mesmo assim, considera importante a aprovação do texto regulatório. “Impedir a espionagem é impossível no contexto da arquitetura da internet, ainda mais se levarmos em consideração que uma parte considerável do tráfego mundial de dados passa pelos Estados Unidos. O projeto tem o grande mérito de afirmar com todas as letras que a neutralidade é um princípio da internet. Ou seja, que os dados não podem ser interceptados e tratados pelas operadoras de telecomunicações, exceto para fins de gestão da rede”, diz.
 
O projeto trata o acesso à internet como “essencial ao exercício da cidadania”. Segundo Molon, a privacidade e a liberdade de expressão foram constantes preocupações na sua elaboração e estão plenamente contempladas na versão final. “Buscamos estabelecer uma série de regras que preservem os usuários e protejam a navegação dos internautas”, afirmou, destacando “a inviolabilidade da intimidade e da vida privada e a garantia de sigilo das comunicações pela internet, salvo por ordem judicial”, determinados no artigo sétimo do Marco Civil, como exemplos disso.
 
A aprovação do texto, no entanto, não resolve a questão de preservar quem acessa a internet. A criação de uma legislação específica para proteção de dados é tida como essencial por parlamentares e especialistas para acabar com a insegurança. Molon é um dos que veem essa necessidade. Segundo ele, no entanto, a ideia precisa amadurecer. “A lei de proteção de dados vai requerer ainda muitos debates. Por isso, procuramos contemplar alguns pontos no Marco Civil”, conta.
 
A natureza libertária da rede e a inexistência de uma legislação internacional para regulamentar e padronizar seu uso e o controle dos dados deixam um vácuo que não permite clareza nas ações a serem decididas em casos como o da espionagem da NSA. A necessidade de um esforço internacional coletivo para estabelecer parâmetros universais a serem seguidos é tratada como fundamental por Gindre.
“A internet trouxe um desafio para o modelo tradicional de governança, em especial por ser necessariamente transfronteiras e envolver muito mais do que governos. O que temos hoje é uma gestão dispersa e fragmentada”. No que diz respeito aos nomes e números, explica Gindre, a governança é centralizada numa instituição norte-americana, que responde a um convênio com o governo dos Estados Unidos. 
 
No caso dos insumos de telecomunicações, a governança fica a cargo da International Telecommunication Union (ITU), “organismo da ONU fortemente capturado pelos interesses das grandes operadoras. As definições dos padrões tecnológicos são tomadas em organismos formados, em geral, por engenheiros e pesquisadores ligados às grandes empresas do setor”, diz o jornalista. E o Internet Governance Forum, também ligado à ONU, reúne governos, empresas privadas, ONGs e universidades, “mas é apenas um fórum de debates, que jamais deliberou sobre tema algum. Urge a construção de um modelo de governança plural, democrática e inclusiva para o debate internacional. Talvez esse seja o nosso maior desafio hoje” constata.
 
Apesar da demora na criação de uma lei específica, o Brasil pode ocupar uma posição de destaque em matéria de legislação cibernética. Esta é a opinião de Gindre, que ressalta, no entanto, a necessidade de fiscalização e aplicação correta das normas. “Há exemplos importantes, como a Finlândia, que declarou a internet como um direito de todos os cidadãos, mas não há um país referência a ser seguido. Ao contrário, a aprovação vai nos colocar como um modelo inescapável no cenário internacional. O grande desafio, contudo, será regular os princípios constantes do Marco Civil, evitando que, como vários outros dispositivos legais, ele se torne uma lei que não pegou. Dar consequência prática aos princípios do projeto será nossa maior dificuldade”, conclui.

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