08/10/2013 - 10:33

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Travessia, rupturas e consolidação democrática - Marcello Cerqueira

08/10/2013 - 10:33

Travessia, rupturas e consolidação democrática - Marcello Cerqueira

Instado a redigir notas sobre os 25 anos do regime democrático vigente a tão duras penas alcançado, deixo de fazer (mesmo em apertado resumo em face do espaço que me cabe) uma abordagem que revele o fio condutor das transições brasileiras na fase republicana, com ênfase nas "rupturas negociadas", sem esquecer que a independência brasileira foi também ela resultado de uma "ruptura negociada", prevalecendo a política de emancipação mediante negociação com a Europa, afastada, portanto, qualquer veleidade de uma solução exclusivamente nacional. 
 
A proclamação da República, como antes o Império, não operou a ruptura da ordem jurídica, foi antes uma espécie de revezamento de elites. Não foi marcada pelas reformas que habitualmente caracterizam as mudanças de regime político. O patrimonialismo ainda vige, embora disfarçado. 
O patrimonialismo ainda vige, embora disfarçado
É inegável, entretanto, que a situação das grandes massas melhorou nos últimos anos.
 
A partir do golpe de Estado de 1964 inicia-se a noite de horrores que terá seu termo em 1985.
 
São tantos os acontecimentos desse longo período autoritário que não cabem, ainda que resumidos, nestas notas, e corto caminho até a primeira eleição direta que resultou no desastrado governo Collor, e na renúncia para evitar o impeachment.
 
O interregno do saudoso Itamar Franco marcou, para além de uma conduta exemplar, o início da debelada da inflação. Seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, perseverou em combatê-la e produziu um governo modernizante, mas submisso à política do então chamado neoliberalismo, além de pleitear e obter sua recandidatura, mesmo contra expressa proibição constitucional.
 
Nas eleições de 2002, Lula se compromete, através da sua Carta aos brasileiros, a dar sequência à política econômico-financeira anterior e foi fiel à promessa feita.
 
Se a pergunta que me é feita é se os 25 anos da eleição do dr. Tancredo são de afirmação democrática, eu diria que sim. 
 
O capitalismo brasileiro se consolidou e passou bem no teste da última (?) crise mundial, o presidente Lula alcançou o maior índice de aprovação popular desde que este tipo de pesquisa é aplicado. Os escândalos de corrupção no seu governo não o atingiram e nem as trapalhadas internacionais que praticou afetaram a sua imagem, reconhecida, e não por poucos, como um bom governante do seu tempo.
 
Elege sua sucessora, que enfrenta os resultados da crise que passou ao largo do governo anterior bafejado pela extraordinária performance mundial, mas que agora cobra seu alto preço, e sem a desenvoltura do presidente Lula pode enfrentar desafios para os quais talvez não esteja preparada. 
 
A fase atual é marcada pela autonomia das ruas e por expressivas manifestações que não só passaram longe dos movimentos organizados, como até mesmo os repudiaram. O governo, de início paralisado, busca soluções pontuais nem sempre bem recebidas, como a (bem) vinda de médicos estrangeiros combatida por corporações de ofício indiferentes ao sofrimento das populações carentes.
 
A política de dez anos focada no consumo parece exaurida e o governo não aponta caminhos consistentes. A ciranda do dólar revela a perplexidade dos condutores da política econômica e o desencontro entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central. O consumo se retrai, a inflação é o monstro que ronda as famílias endividadas.
 
As demandas populares por (efetivas) reformas político-eleitorais, tema que inicialmente aprisionou o governo na promessa de um plebiscito anômalo, não sairão desse Congresso apequenado. Ao tempo em que o combate à corrupção – que não pode ser bandeira da direita –, resvala por um retrocesso na dogmática do Direito Penal democrático cuja apreciação, ainda que perfunctória, não caberia neste espaço.
 
Ao encerrar estas notas, registro o voto do decano do STF favorável ao cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470 e ouso remeter o leitor a artigo deste advogado que o jornal O Globo publicou (18/09/2013, página 1) sob o título O voto de Minerva.
 
Nesse quadro de responsabilidades acrescidas, vejo a OAB/RJ presente nas questões mais importantes, e mesmo liderando a luta pelo direito da verdade sobre as atrocidades da ditadura militar. Sabe que enfrentará inimigos (da verdade) poderosos e mesmo os chefes militares que pessoalmente não participaram das crueldades se recusam a colaborar com a história do país.
 
A história real, que liberta e emancipa.
 
*Marcello Cerqueira é advogado
 
Versão online da Tribuna do Advogado.
 

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