14/10/2016 - 13:43

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Trabalho: negociado deve prevalecer sobre legislado?

14/10/2016 - 13:43

Trabalho: negociado deve prevalecer sobre legislado?

Um novo caminho para as relações de trabalho

PEDRO CAPANEMA*

É preciso coragem para dar o primeiro passo no sentido de superar a atual crise econômica e nas relações de trabalho. E neste sentido, um novo caminho se impõe: a modernização do atual modelo rígido legislado em favor de um modelo com maior espaço para a negociação coletiva.

Rejeitar o atual modelo legislado rígido não é o mesmo que defender a desregulamentação. Qualquer mercado de trabalho exige regulamentação, com o respeito às normas de medicina e segurança do trabalho e aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

As transformações ocorridas nas relações de trabalho contemporâneas – cite-se, como exemplo, a situação de home office, ou até mesmo a terceirização de serviços – só podem ser adequadamente reguladas por um sistema que favoreça a negociação coletiva.

A Constituição Federal reconhece a negociação coletiva, mas na prática pouquíssimos direitos podem ser transacionados. As convenções 98 (1949) e 154 (1981) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ambas ratificadas pelo Brasil, determinam que os países signatários prestigiem a negociação coletiva, e devem ser respeitadas.

A limitação das negociações coletivas gera, além de reflexos negativos para a economia, grande insegurança jurídica. Em suma, restringe-se excessivamente o diálogo democrático, sepultando de vez a participação do trabalhador no ambiente coletivo.

A este respeito, manifestou-se – com excepcional lucidez – o ministro Luis Roberto Barroso, relator do RE 590.415-SC, no julgado de 30/04/15, afirmando que a “negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. (...) É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social.”

Lamentavelmente, alguns setores insistem no discurso da precarização, afirmando que a livre negociação coletiva resultaria em redução de direitos dos trabalhadores. Para os que defendem esta posição, recomenda-se buscar reduzir a informalidade no mercado de trabalho, verdadeira fonte de precarização.

Os riscos envolvidos neste tipo de precarização não devem ser subestimados: as degradantes condições de trabalho e os grandes índices de acidentes são características marcantes do trabalho informal. A informalidade não permite sequer acesso a direitos trabalhistas básicos, garantidos aos formais.

Este cenário só poderá ser corrigido com a superação do atual modelo rígido em favor de um modelo com verdadeira abertura para o negociado. Eis o desafio: reduzir rigidez sem comprometer o núcleo de garantias dos trabalhadores. Do contrário, quanto mais rígida a legislação, maior será informalidade, a precarização do trabalho e o agravamento da crise.
 
*Advogado, especialista em Direito empresarial e das relações de trabalho, consultor jurídico da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro

Proposta é inconstitucional, além de extemporânea

JOÃO CARLOS TEIXEIRA*

O atual governo brasileiro está propondo à sociedade brasileira a reforma da legislação trabalhista. Uma das propostas apresentadas e já em discussão no Congresso Nacional é o Projeto de Lei 4962/2016, que trata do negociado sobre o legislado.

O projeto de lei altera o caput do artigo 618 da CLT, que passaria ter a seguinte redação: “As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de medicina e segurança do trabalho.”

O projeto de lei é inconstitucional por que fere o artigo 7º, caput da Constituição, que dispõe: (...) “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)”
Como se vê, o constituinte, ao estabelecer os direitos dos trabalhadores, garantiu e possibilitou a criação de outros direitos que tenham como propósito melhorar sua situação.

Isto significa que qualquer inovação legislativa ou normativa (ACT-CCT), para ter validade jurídica constitucional, deve trazer melhoria na condição social do trabalhador. Jamais retirar direitos previstos em lei.

Assim ocorre porque os princípios e direitos fundamentais têm força normativa erga omnes, ou seja, obrigam não só o Estado e seus poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário), como também os indivíduos e grupos organizados. É o que a doutrina constitucional chama de eficácia vertical e horizontal dos princípios e direitos fundamentais.  

As exceções a esta regra também estão expressamente previstas na Constituição. São os casos em que possibilita a redução de salário e de jornada de trabalho, mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho, para superar momentos de crise econômica e preservar os empregos. E os sindicatos há muito já negociam esses termos e condições, pois as crises econômicas são cíclicas. Não há necessidade de nova lei para possibilitar esse tipo de negociação.

O projeto é inconstitucional ainda porque possibilita a desigualdade de direitos entre os trabalhadores, a desigual valorização do trabalho humano em seu conteúdo mínimo, estruturado na Constituição e regulamentado pela CLT e outras leis trabalhistas. A aplicação dessas leis e direitos vai passar a depender da capacidade de negociação do sindicato dos trabalhadores de mantê-los.

Num cenário de crise econômica e desemprego, e de sindicatos, em sua maioria, com pouca representatividade, pode-se vislumbrar a enorme precarização das condições de trabalho que esse projeto pode implementar, caso seja aprovado. O projeto é perverso, pois tende a subverter o papel do sindicato, que historicamente sempre foi o da defesa dos interesses dos trabalhadores e a melhoria da sua condição de vida social.

A relação de emprego é formada por atores que se encontram em desigualdade de condições. De um lado, o empregador, dono do capital, da organização produtiva de trabalho e, de outro, o trabalhador que tem apenas sua força de trabalho para vender e assim obter o sustento necessário para si e sua família. O trabalho é, para o homem, uma condição para a existência digna e, portanto, as leis que regulam o trabalho humano não podem ficar ao sabor das oscilações da economia de mercado, sob pena de ferir a própria dignidade humana.
 
*Procurador do Trabalho  (PRT-1ª Região), coordenador nacional da Conalis - Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical

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