16/12/2015 - 13:33

COMPARTILHE

Direito de resposta

16/12/2015 - 13:33

Direito de resposta

Não haverá prejuízo à imprensa séria
 
ROBERTO REQUIÃO*
 
A Constituição da República elenca entre os fundamentos do Estado democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, princípio consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da ONU.
Dele defluem garantias fundamentais, entre elas a do “direito de resposta, proporcional ao agravo” a da inviolabilidade da “intimidade, [d]a vida privada, [d]a honra e [d]a imagem das pessoas” e o direito ao “contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

À luz do texto constitucional, ocorrida a ofensa ou o uso da imagem, constitui-se, ipso facto, o direito à resposta.

A Lei do Direito de Resposta (LDR) visou a estabelecer procedimentos destinados a concretizar essa garantia constitucional, condicionando seu exercício à obrigatória tentativa de obtenção consensual da veiculação da resposta.

Conforme a LDR, frustrada a via consensual, surge a pretensão jurídica à ação de direito de resposta.
Apesar da garantia constitucional, desde 1988 há uma lacuna no ordenamento quanto à forma de exercício do direito de resposta, acentuada pela decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou a validade da velha Lei de Imprensa.

O vácuo legislativo permitiu a veiculação de inúmeras injúrias danosas sem que ao ofendido assistisse o direito ao contraditório.

O exemplo clássico dessa distorção foi o caso da Escola Base, em São Paulo, cujos proprietários foram acusados de pedofilia pela imprensa, no ano de 1994. 

Daí porque o site Pragmatismo político publicou: “Sem toga, sem corte e sem qualquer chance de defesa, a opinião pública e a maioria dos veículos de imprensa acusaram, julgaram e condenaram Icushiro e Maria Aparecida Shimada (...)” por pedofilia.

Por conta dos erros da polícia, o então governador de São Paulo editou um decreto em que determinou “o pagamento administrativo de indenização às vítimas do caso Escola Base”, com base nos princípios da “dignidade humana e da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas”.

Vários meios de comunicação foram punidos: só a Rede Globo foi sentenciada, em 2012, a pagar R$ 1,35 milhão.

Icushiro morreu em 2014; sua esposa e sócia, Maria A. Shimada, faleceu em 2007. Ambos jamais receberam as indenizações a que ganharam direito em diversos processos judiciais que ainda hoje tramitam.
Oposta foi a atitude da imprensa sueca, no caso do assassinato, em 1986, do primeiro ministro Olof Palme: somente quando do julgamento do Christer Pettersson, um alcoólico e toxicodependente, é que a imprensa sueca divulgou o nome do acusado, que restou inocentado.

Além de proteger o ofendido, a LDR busca dar uma oportunidade à imprensa de exercer seu mister com ética e com respeito à dignidade alheia, evitando assim ser ela própria condenada por práticas perniciosas de seus agentes.

Ela não trará prejuízo à imprensa séria, responsável, pois busca evitar a judicialização de conflitos decorrentes da veiculação de ofensas sem contraditório. 

Veja nossa imprensa, no comportamento da sueca, um bom exemplo a ser seguido.

*Senador (PMDB/PR)


Por que falar com jornalista?
 
O temor dos pessimistas se confirmou dias após a entrada em vigor da Lei de Direito de Resposta (Lei 13.188, de 11 de novembro de 2015). No dia 13, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), avisou: fará uso dela por não concordar com a expressão “amplos poderes”, usada pelo jornal O Globo ao se referir à sua procuração para movimentar contas na Suíça.

Em 16 de novembro, o senador Delcídio Amaral (PT/MS) recusou-se a responder perguntas da reportagem da Folha de S. Paulo e de O Globo. Via assessoria de imprensa, fez chegar o seguinte recado: “O senador Delcídio, considerando a improcedência da informação, prefere se valer das prerrogativas a que tem direito pela Lei 13.188, que trata do ‘direito de resposta’.” 
 
Não se trata aqui de negar a necessidade de regulamentação da garantia de resposta prevista no inciso V, artigo 5º da Constituição Federal. Mas, nos termos em que foi aprovado, o projeto do senador Roberto Requião (PMDB/PR) vai além da correção de informações erradas: obriga veículos a abrir espaço para versões.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) defendeu o veto a dois dispositivos do projeto: o inciso I do art. 6º, que dá ao meio de comunicação 24 horas para explicar ao juiz por que não publicou a resposta antes da ação judicial, e o artigo 10, ora alvo da ADI 5415 proposta pelo Conselho Federal da OAB, que requer juízo colegiado prévio para concessão de efeito suspensivo. A nota não chegou a mencionar o inédito prazo de três dias para a contestação, o mais curto do Processo Civil brasileiro.

Se a exiguidade dos prazos terá impacto em grandes empresas, o que dizer de pequenos veículos independentes, de âmbito local? 

Mas um dos mais graves problemas está no art. 7º, que autoriza o juiz a determinar a publicação da resposta antes de ouvir a empresa acionada. Dificilmente esse veículo conseguirá a assinatura de três desembargadores a tempo de suspender a decisão para se fazer ouvir em recurso.

Na prática, isso significa que a reportagem contestada pode não estar errada. O juiz, uma vez convencido da versão apresentada pelo autor da ação, poderá interferir na esfera da liberdade de expressão do veículo de maneira sumária e, de magistrado, passará a editor-chefe, última palavra sobre o conteúdo publicado.

Eis a razão por que Delcídio Amaral prefere apresentar sua versão fundamentada na Lei 13.188: evita, com isso, o escrutínio do repórter e transforma o espaço jornalístico em anúncio publicitário. 

Eis a razão por que Eduardo Cunha prefere ocupar a capa e uma página de O Globo com sua versão: não encontrou erro na reportagem, apenas discordou que fazer aplicações financeiras em fundos e no mercado futuro, fazer investimentos de curto prazo, comprar e vender títulos, moedas e metais preciosos configure “amplos poderes” sobre uma conta bancária.

Eis o futuro de blogs e jornais independentes: oferecer a seus leitores, sob risco de condenações na Justiça, toda e qualquer versão que lhes chegar, seja fundada na realidade, seja fruto do delírio do “ofendido” da vez.
 
*Secretário-executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

Abrir WhatsApp