16/12/2015 - 12:37

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Marcos Kac – promotor de Justiça da 9ª Promoto ria de Investigação Penal: ‘Federações formam castas, as pessoas entram para galgar posições de poder e riqueza’

16/12/2015 - 12:37

Marcos Kac – promotor de Justiça da 9ª Promoto ria de Investigação Penal: ‘Federações formam castas, as pessoas entram para galgar posições de poder e riqueza’

Responsável pela investigação que levou ao desmantelamento da chamada máfia dos ingressos na Copa de 2014, o promotor de Justiça Marcos Kac acredita que os tribunais superiores proverão os recursos do Ministério Público do Rio de Janeiro contra a decisão judicial estadual que entendeu não haver provas contra o inglês Raymond Whelan, executivo da empresa licenciada pela Fifa para a venda de entradas. Nesta entrevista, Kac, professor de Direito Penal, também defende mudanças nas federações esportivas, locais e internacionais.
 
PATRÍCIA NOLASCO
As mudanças previstas na Fifa, a serem votadas no congresso que elegerá o novo presidente em fevereiro, são satisfatórias para dar mais transparência e evitar corrupção na entidade? Ou, como disse Zico, a Fifa tem que recomeçar do zero para recuperar credibilidade?

Marcos Kac
– O grande problema da Fifa, enquanto organismo internacional, e da CBF no Brasil, sendo ambas instituições de direito privado, é que apesar de captarem tanto dinheiro, público e privado, e mexerem com grandes públicos de torcedores, se acham no direito de não prestar contas de nada. Isso realmente precisa mudar, tanto nas federações locais como nas internacionais. E não é só com futebol, acontece em todos os esportes, como vôlei, remo – volta e meia há notícias de problemas. As federações formam castas, onde as pessoas entram para galgar posições de poder e riqueza, não para trabalhar em prol do esporte. Isso, falando de uma forma muito genérica.

Na Copa de 2014, o senhor atuou no desmantelamento da chamada máfia dos ingressos. A Justiça arquivou a ação penal contra o inglês Raymond Whelan, executivo da Match Services – empresa licenciada pela Fifa para a venda de ingressos – e sobrinho de Joseph Blatter, dirigente afastado. Em que pé está o processo contra os demais réus?

Marcos Kac – O desembargador [Luiz Noronha Dantas, da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro] decidiu que não havia elementos em face do Raymond, mas essa decisão não transitou em julgado. O Ministério Público desafiou dois recursos. Um especial, no Superior Tribunal de Justiça, e outro, extraordinário, no Supremo Tribunal Federal. Então, a última palavra vai ser das cortes superiores. Acredito que devam ser decididos com uma certa celeridade. Na verdade, o ponto nodal da questão a gente perdeu, era ter o Whelan no meio do processo do Fofana [o franco-argelino Mohamadou Lamine Fofana, acusado de liderar a quadrilha internacional que vendia no mercado negro os ingressos para a Copa], e dos demais cambistas que são réus na ação penal. Mesmo que Whelan volte a ser processado, será em outra ação. Acredito que o STJ e o STF vão prover os recursos, vamos aguardar. A decisão no Rio diz que não havia elementos contra ele, mas tudo o que tem no processo são elementos contra o Whelan. Na minha opinião, mais do que suficientes para o recebimento da denúncia e a decretação da prisão, como foi feito à época. Tanto é assim que o fato avançou por conta desse processo inicial, o Brasil teve essa primazia, embora não tenha conseguido chegar ao Blatter.
Mundo afora existem várias ações, na Alemanha, na África do Sul – como havia nos Estados Unidos –, para entender como a corrupção na Fifa efetivamente funcionava, de que forma. Foi a partir da nossa investigação, desmantelando a máfia dos ingressos. Decisão judicial a gente cumpre e respeita, mas tudo o que há são exatamente provas contundentes contra o Whelan, o Fofana e os outros.
 
Na sua opinião, a entrada em campo da Primeira Liga é um passo para a criação de uma entidade que possa se contrapor ao poder da CBF na organização do futebol brasileiro?

Marcos Kac – Os clubes já tentaram, em várias oportunidades, ter mais poder perante a CBF, decidir as questões mais sensíveis a eles, como aconteceu através do Clube dos 13. Mas acaba que a entidade não vai adiante porque em determinado momento os interesses próprios de cada clube se contrapõem e alguém rói esse elo. Acho que no caso da Liga é muito mais em relação às federações locais do que em relação à CBF, porque ela retiraria, digamos assim, um pouco de poder dos campeonatos estaduais. Acredito que toda posição dos clubes deva ser efetivamente levada em consideração tanto pelas federações locais como pela nacional, porque são eles efetivamente que contratam os jogadores, os atores do espetáculo. É impossível que as federações tomem as decisões que digam respeito a eles sem uma consulta. Só para exemplificar, a Federação do Rio de Janeiro, chutando, tem uns 300, 400, filiados. Como pode um time como o Flamengo, ou o Vasco, o Fluminense, o Botafogo, com milhões de torcedores espectadores, ter o mesmo peso que uma liga amadora, de uma cidadezinha no Noroeste do estado, onde quaisquer R$ 5 mil compram uniformes e chuteiras e resolvem seu problema? Quer dizer, quem tem que resolver as questões do campeonato carioca é a federação com os quatro grandes, tendo também poder os times da primeira divisão. São esses que têm que decidir.  Ter uma liga amadora, do interior, com peso quase que equivalente ao dos grandes clubes é um escárnio. Mas é através desses votos que as federações são nominadas e os dirigentes delas, em todos os estados, se perpetuam no poder, anos a fio. São feudos. Há federação em que o presidente está lá há 30 anos. São os donos do futebol. O Caixa D’Água [Eduardo Viana, falecido] ficou anos, e o senhor Rubens Lopes [atual presidente da Ferj] está há anos comandando o espetáculo. Então, acho importante a Liga. Não acho que vá retirar poder completamente, mas é um sinal de alerta de que não estamos satisfeitos com esse modelo. A federação, por exemplo, leva 10% de todos os jogos. Às vezes os times grandes pagam para jogar; o que arrecadam é insuficiente para as custas e no entanto desembolsam os 10%, o que é um valor exorbitante. Imagine uma renda de R$ 1 milhão: são R$ 100 mil para a federação. Fora o que elas ganham em contratos de patrocínio fechados fora do campeonato. A verdade é: precisamos privilegiar o espectador. Não adianta ter uma fórmula de campeonato arcaica, que só privilegia a federação e o seu dirigente, em detrimento de quem consome. Cada vez tem menos gente indo aos estádios, que estão ficando vazios por uma série de motivos – violência, horário dos jogos, que quem determina é a televisão, preço dos ingressos. Tudo tem que ser repensado. Um jogo é melhor quando o estádio está cheio com as torcidas. O jogador sente a diferença.

Um estudo do professor Pedro Trengrouse, da FGV, estima que as apostas pela internet feitas por brasileiros em sites esportivos hospedados fora do país, principalmente em paraísos fiscais, já representariam um volume de US$ 600 milhões/ano. Não há regulação ou tributação. Qual a sua opinião a respeito?

Marcos Kac – A gente tem que repensar toda essa questão referente ao jogo no Brasil. Tem ligação com o futebol, mas também com o turfe, e os jogos em geral. Centenas de países permitem o jogo, têm controle e arrecadam sobre ele nessa indústria que chama o turismo, movimenta a economia. Se brasileiros estão apostando esse volume de dinheiro e o país não está tirando nenhum proveito econômico, não está arrecadando nada, isso precisa ser pensado. Jogo do bicho e caça-níqueis até hoje estão aí, não acabam, tem gente milionária e o país não recebe imposto algum.

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