16/12/2015 - 16:08

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Os julgamentos secretos da Receita e o dever de observar princípios constitucionais

16/12/2015 - 16:08

Os julgamentos secretos da Receita e o dever de observar princípios constitucionais

MAURÍCIO FARO E GILBERTO FRAGA*

Muito se tem falado recentemente sobre a necessidade de que os julgamentos colegiados pelas delegacias regionais de Julgamento da Receita Federal sejam públicos, com a presença dos contribuintes envolvidos no litígio, bem como de seus advogados regularmente constituídos.

Tal discussão surgiu a partir de questionamento formulado pela OAB/RJ junto à Superintendência da Receita Federal no Rio de Janeiro e à Delegacia Regional de Julgamentos no Rio de Janeiro e, considerando o silêncio eloquente das referidas autoridades, a questão foi judicializada por meio de impetração de mandado de segurança coletivo.

Seguindo a medida capitaneada pela OAB/RJ, as seccionais de Brasília, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Minas Gerais e Santa Catarina também ingressaram em juízo.

Analisando a questão posta no mandado de segurança coletivo do Rio, entendeu o juiz da 5ª Vara Federal por conceder a segurança pleiteada, determinando a publicação prévia das pautas de julgamento e permitindo o comparecimento das partes e seus advogados para assistir às sessões de julgamento das Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ), podendo, inclusive, “ofertar questões de ordem sobre aspectos de fato da causa”.

Infelizmente, a referida sentença foi reformada, por maioria, pela 4ª Turma do TRF da 2ª Região, o que ensejará a interposição de recurso para os tribunais superiores, sendo certo que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de temas análogos à presente discussão, já houve por bem reconhecer a prevalência dos princípios da ampla defesa, do contraditório e da publicidade.

No referido julgamento, ainda pendente de formalização de acórdão, prevaleceu o argumento de que inexiste regra expressa que textualmente preveja a intimação do sujeito passivo e/ou de seus representantes da pauta de julgamento dos processos do seu interesse.

Todavia, entendemos que esse fundamento não pode prevalecer em razão da garantia fundamental do contraditório e da mais ampla defesa assegurada pela Carta Política da República, em seu artigo 5º, LV, o que, a toda evidência, assegura às partes a possibilidade de participar de todas as fases do processo – administrativo ou judicial –, lançando mão de todos os argumentos adequados ao resguardo de seus interesses e influenciando o juízo de convicção daqueles que estejam investidos do poder de decidir as controvérsias submetidas ao seu crivo.

É lamentável que ainda hoje estejamos a discutir tão óbvia prerrogativa que muito nos lembra o que se convencionou denominar anos de chumbo, em que comezinhas garantias fundamentais dos cidadãos eram absurdamente violadas.

A matéria não comporta maiores digressões e é o próprio Supremo Tribunal Federal quem joga luz sobre este caminho de trevas pavimentado através das sessões secretas em que são decididas em primeira instância as controvérsias tributárias entre os sujeitos passivos e o Fisco Federal, merecendo destaque, a propósito, a decisão proferida no julgamento do RMS 28.517/DF, em que o ministro Celso de Mello bem assinalou:
“ (...) Tenho para mim, na linha de decisões que proferi nesta Suprema Corte, que se impõe reconhecer, mesmo em se tratando de procedimento administrativo, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro.”

Por seu turno, a necessária intervenção da participação do advogado dos contribuintes nessas sessões de julgamento encontra guarida no Estatuto da OAB, em seu artigo 7º, do seguinte teor:
 
“Art. 7º - São direitos do advogado:
VI - ingressar livremente:
(...)

c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado; (...).”

Dessa forma, se a administração pública deve obediência ao princípio da publicidade, essa garantia demonstra-se irrenunciável, sobretudo com relação ao contribuinte envolvido no litígio e seu respectivo advogado, que não podem ser tolhidos de ter ciência prévia das pautas, bem como de participar das sessões de julgamento.
 
A despeito dos referidos princípios constitucionais anteriormente mencionados, as sessões nas delegacias de julgamento sempre foram fechadas e revestidas de um sigilo absolutamente divorciado de qualquer respaldo lógico ou jurídico.

Acrescente-se, ainda, que a administração deve voltar-se para o público e de forma aberta e transparente na medida em que a coisa pública exige o tratamento adequado, sobretudo quando discute questões tão relevantes como as tributárias.

Todavia, além da falta de fundamento para a realização das sessões de julgamento secretas, o que surpreende é a resistência injustificada da Receita Federal do Brasil em abrir os referidos julgamentos, haja vista que poderia adotar exatamente o mesmo procedimento vigente nos julgamentos realizados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Tendo em vista a observância do Estado democrático de Direito, não há mais como admitirmos a injusta vedação de que os contribuintes e advogados participem das sessões de julgamento realizadas pela Receita Federal, sob pena de tolerarmos a permanência de resquícios de um Estado autoritário do qual a sociedade brasileira não tem saudades.
 
*Presidente e vice-presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ

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