03/08/2018 - 20:59

COMPARTILHE

Documentos oficiais provam que ditadura vigiava a OAB

03/08/2018 - 20:59

Documentos oficiais provam que ditadura vigiava a OAB

Documentos oficiais provam que ditadura vigiava a OAB

 

Órgãos de repressão fizeram relatórios sobre conferências e eleições da Ordem. Advogados eram vistos como um grupo "coeso" e de atitude, "se não hostil, pelo menos não solidário aos atos do Governo"

 

 

Patrícia Nolasco

 

Entre as centenas de milhares de documentos preciosos para a história brasileira que se encontram no acervo do Arquivo do Estado do Rio de Janeiro, uma pasta reúne diversos relatórios oficiais e registros sigilosos relativos à Ordem dos Advogados do Brasil, produzidos pelas autoridades da repressão política na ditadura militar. Os documentos, cujas cópias foram solicitadas pelo presidente da Seccional, Wadih Damous, em recente visita ao Arquivo, mostram o afinco com que os agentes se dedicaram a acompanhar e vigiar os passos da Ordem durante aquele período.

 

Um dos relatórios, com mais de 100 páginas, data de 20 de agosto de 1974 e foi produzido pelo Departamento Geral de Ordem Política e Social (Dops). O conteúdo é uma espécie de ata minuciosa da V Conferência Nacional da OAB, então presidida por José Ribeiro de Castro Filho. Do que foi dito na abertura da sessão - na qual estava o presidente do Supremo Tribunal Federal, Eloy José da Rocha -, passando pelo temário discutido pelas comissões e os nomes de todos os participantes, até o material de divulgação, jornais e revistas, tudo foi recolhido, anexado e levado "à consideração" da Diretoria Geral do DOPS. Os agentes registraram, inclusive, o "almoço na Churrascaria Gaúcha".

 

A V Conferência foi alvo de interesse também do Cenimar, o órgão de informações da Marinha. No relatório de 30 de agosto, após breve exposição das atribuições legais da OAB e de seu Estatuto, o item II diz que o evento "teve por motivação a necessidade que alguns advogados sentem de contestar o atual regime, usando como bandeiras algumas restrições impostas mas necessárias para resguardar a Segurança Nacional". E continua: "Como elemento catalisador, acelerando o processo de organização da conferência, podemos dizer que atuou o Decreto 74.000, de 01.05.1974, que subordina a OAB ao Ministério do Trabalho. Tal decreto, estudado e discutido não só pelo Conselho Federal, mas também pelas diversas seccionais, é considerado inconstitucional pelos advogados, invocando-se farta legislação. A impressão colhida junto a alguns advogados é de que o 'governo da revolução pretende, ao arrepio da lei', subordinar a OAB ao Poder Executivo para dominar e "silenciar’ a voz da Justiça". Segundo o informe, o tema do encontro - O advogado e os direitos do homem - buscou "predispor a opinião pública e em particular o Judiciário à revogação do AI-5".

 

Após analisar a repercussão do evento, o documento conclui: "Não seria temeroso dizer que a V Conferência da OAB funcionou como um importante instrumento de pressão anti-revolucionária cujas consequências imediatas, embora discretas ou quase imperceptíveis, não invalidam a hipótese de tornar-se a influente classe dos advogados em um grupo coeso e de atitude, se não hostil, pelo menos não-solidário aos atos do governo".

 

Quase dois anos antes, foi produzido pelo Dops o Informe 1.226, de 22 de novembro de 1972. O tema era a convocação da classe para a eleição de 18 membros do Conselho Seccional do Estado da Guanabara. Diz o texto escrito pelos agentes sobre a chapa que tinha entre seus integrantes Barbosa Lima Sobrinho, Heleno Fragoso e Benedito Calheiros Bonfim: "(...) Na Chapa Renovação, a maioria de seus membros são defensores de elementos comuno-terroristas, usando da tribuna e nos tribunais, para, em defesa de seus constituintes, provocar opiniões sobre a consecução dos objetivos nacionais".

 

Em 1976, sob o Governo Geisel, houvera o recrudescimento dos ataques a bomba em instituições da sociedade civil. Em 19 de agosto, um artefato explodiu na Associação Brasileira de Imprensa e outro foi encontrado na caixa de força da sede da OAB. A autoria foi atribuída a uma certa Aliança Anticomunista Brasileira (AACB). Dos registros do Arquivo, consta, datado de 24 de setembro, Pedido de Busca do Departamento de Polícia Federal, dirigido aos órgãos de informações, solicitando "os nomes e dados de qualificação dos elementos pertencentes à AACB que essa Agência possuir. Não se conhecem desdobramentos de tal documento.

 

Do assassinato de dona Lyda Monteiro, em agosto de 1980, quando a secretária da OAB Federal abriu carta-bomba dirigida ao presidente Eduardo Seabra Fagundes, há pouca documentação. Apenas recortes de jornais e, da polícia do estado, nenhum registro. O atentado, no qual estariam envolvidos grupos militares insatisfeitos, jamais foi elucidado, embora o governo tivesse empenhado sua honra em encontrar os responsáveis.


Abrir WhatsApp