13/09/2016 - 14:02

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O custo da regularização dos ativos mantidos no exterior e a inevitabilidade desta medida

13/09/2016 - 14:02

O custo da regularização dos ativos mantidos no exterior e a inevitabilidade desta medida

LUIZ GUSTAVO BICHARA*
FERNANDA TÓRTIMA*

 
O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) permite a regularização de ativos remetidos ou mantidos no exterior em 31/12/14 e daqueles já repatriados antes desta data. A regularização ocorrerá pela entrega e retificação de declarações, perante a Receita Federal e o Banco Central, e pagamento de Imposto de Renda e multa, que juntos correspondem à aplicação da alíquota de 30% sobre o valor do ativo regularizado. No entanto, é preciso examinar os casos particulares de cada contribuinte, pois a adesão não é a simples declaração e tributação da posição financeira mantida em 12/2014, existindo situações que provocam a majoração do custo efetivo da regularização.

O contribuinte que gastou, antes de 31/12/2014, recursos da conta bancária regularizada terá que declarar e pagar imposto e multa sobre tal montante consumido, além de pagar também sobre o saldo existente na conta naquela data de corte. Isto porque a lei faz expressa referência à regularização e tributação dos ativos não mais existentes em 12/2014. A Receita Federal já se posicionou nesse sentido, assentando que os valores consumidos devem ser base de cálculo do imposto e da multa. Recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional publicou parecer corroborando a opinião da Receita Federal, ao concatenar os argumentos jurídicos que a fundamentam. Antes disso, muitos sustentavam haver dúvida a respeito do tema. Ora, “dúvida” e “certeza da qual não gostamos” não são sinônimos. A lei, embora sujeita a crítica nesse particular, é bastante clara.

A questão que surge é quanto tempo retroagir para apurar os gastos. A Receita Federal teria a pretensão de tributar os últimos cinco anos, que é o prazo decadencial do tributo. Todavia, o RERCT também concede anistia criminal e, seguindo o raciocínio do Fisco, o contribuinte deveria retroagir ao prazo de prescrição dos crimes envolvidos no seu caso concreto. Desse modo, voltar 12 ou até 16 anos para recompor o histórico dos gastos cobriria a prescrição dos crimes anistiados no regime especial. E, neste ponto, os bancos estrangeiros talvez possam trazer algum conforto para os contribuintes, na medida em que, por força de lei local, têm fornecido extratos apenas dos últimos dez (no caso dos suíços), cinco ou sete (no caso dos norte-americanos) anos, contados de hoje, e deveria ser suficiente para o contribuinte declarar somente aquilo a que teve acesso.

Além disso, a avaliação acerca do tempo de retroação depende de diversas particularidades do caso concreto, que podem indicar maior ou menor risco de interpretações posteriores, por parte dos órgãos responsáveis pela persecução penal e dos tribunais, que afastem do contribuinte o direito de anistia penal. É preciso que se verifique, por exemplo, se haveria, ao menos em tese, a prática do crime de lavagem, para o qual está previsto prazo prescricional de 16 anos ou, por outro lado, se estaria configurado, considerando-se os valores mantidos em conta no exterior ao final de cada ano-base, o crime de manutenção de depósitos não declarados à repartição competente.

Não bastasse, é preciso que se atente para o fato de que o crime cambial de evasão de divisas ou de manutenção de conta não declarada no exterior nenhuma relação guarda com o pagamento de tributos, mas sim, e apenas, com o controle do Banco Central sobre as reservas cambiais, motivo pelo qual parece no mínimo injusto, se não absolutamente arbitrário, que o contribuinte se veja obrigado a oferecer à tributação valores existentes em período anterior ao prazo decadencial já indicado pela Receita Federal para ser beneficiário de anistia relativamente ao referido crime cambial. 

Aliás, no último dia 5 de agosto, o próprio Banco Central editou o Comunicado nº 29.789/2016, pelo qual esclareceu ser desnecessária a declaração retificadora relativa a datas-bases anteriores à de 31/12/2014, circunstância que, por si só, indica a autonomia a ser reconhecida entre a declaração devida à Receita Federal, para fins tributários, e a necessidade de declaração ao Banco Central, para fins de controle das reservas cambiais brasileiras.

Por outro lado, a tributação do passado não alcança o contribuinte que substituiu um ativo por outro. De fato, não modificará o montante de imposto e multa devidos o fato de o contribuinte ter utilizado recursos da conta bancária para adquirir, por exemplo, um imóvel. Na mesma situação está aquele que resgatou determinada aplicação financeira, ainda que por valor inferior ao de sua aquisição, e empregou o produto em outro investimento. Nesses casos, basta declarar o imóvel ou o novo investimento e estarão anistiadas as irregularidades relacionadas a estes bens, assim como aquelas ligadas aos recursos com os quais foram adquiridos. Vê-se, portanto, que o contribuinte sujeito a tal situação também terá que rastrear o histórico da conta bancária de que é titular.

Outro ponto sensível no cálculo do imposto e multa diz respeito ao acionista de empresa offshore que utilizou cartão de crédito, em benefício próprio, pago com os recursos controlados pela companhia. Este contribuinte terá dois “ativos” distintos a regularizar. Primeiro, terá que regularizar as ações que detém na empresa, declarando o valor de sua participação no patrimônio líquido (o que é apurado em balanço levantado em 31/12/14). Em seguida, terá que regularizar os recursos que recebeu, antes desta data de corte, da pessoa jurídica por meio do cartão de crédito. Este segundo caso trata novamente da regularização de ativos não mais existentes em 31/12/2014 e também exige do contribuinte a apuração do passado, ou seja, dos dividendos percebidos.

A regularização de valores aportados em trust  também não poderá, em todos os casos, ser feita com base apenas na posição financeira de 31/12/2014. Caso o seu instituidor, por exemplo, não seja beneficiário da entidade, o beneficiário terá que aderir ao regime para regularizar e tributar os ativos, se já estiver nesta condição em 31/12/2014, e o próprio instituidor também terá que fazê-lo, porque no passado já teve a propriedade dos ativos aportados no trust – trata-se mais uma vez da regularização do passado não mais existente.

Como se vê, a adesão que deveria ser fácil – pagar o imposto e multa sobre a posição financeira em 31/12/14 – não o é. Será preciso definir a estratégia de adesão caso a caso, para que não haja o mínimo erro nos valores informados, sobretudo, porque a Receita Federal, quando da regulamentação da Lei 13.254/16, já sinalizou que reconhecerá os efeitos da anistia somente sobre o valor declarado que foi base de cálculo do imposto e da multa.

O leitor, a esta altura do texto, deve está se fazendo a seguinte pergunta: Por que aderir ao RERCT se o custo de regularização pode ser tão elevado, incluindo valores do passado? A resposta parece simples: não existe plano B.

Os acordos internacionais para troca de informações assinados pelo Brasil, especialmente com os Estados Unidos e, no âmbito da OCDE, com 96 países, tornam o mundo um lugar bastante inseguro para o dinheiro não declarado. Embora haja, ainda hoje, teses mirabolantes sobre soluções mágicas, tudo indica que é melhor crer que o mundo mudou. A anistia em exame pode não ser a sonhada, mas como se diz popularmente, “é o que se tem para hoje”.
 
*Procurador tributário e conselheiro federal da OAB pelo Rio de Janeiro
*Conselheira da OAB/RJ

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