30/05/2016 - 12:06

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Gustavo da Rocha Schmidt – presidente do Cen tro Brasileiro de Mediação e Arbitragem: ‘Atual geração de ad vogados foi treinada para litigar, não para buscar consensos’

30/05/2016 - 12:06

Gustavo da Rocha Schmidt – presidente do Cen tro Brasileiro de Mediação e Arbitragem: ‘Atual geração de ad vogados foi treinada para litigar, não para buscar consensos’

Ao analisar os efeitos do novo Código de Processo Civil na aplicação dos meios alternativos de resolução de conflitos, o professor da FGV Direito Rio Gustavo Schmidt, que preside o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, observa que ficou claro o reconhecimento da insuficiência do processo judicial para assegurar a paz social. Ele aponta as causas do “volume descomunal de ações judiciais, sem precedente no mundo civilizado”, entre elas a cultura do litígio “enraizada e arraigada” na comunidade jurídica nacional.
 
PATRÍCIA NOLASCO
 
Qual a influência da entrada em vigor do novo CPC sobre a aplicação dos meios alternativos de resolução de conflitos?

Gustavo Schmidt
– O novo CPC assume clara posição em favor da adoção de uma nova cultura de resolução de conflitos no país, reconhecendo o legislador a insuficiência do processo judicial para assegurar a paz social. Só o fomento às vias alternativas de resolução de disputas permitirá que se dê uma solução razoável à realidade atual, de litigância excessiva, com mais de 100 milhões de processos em curso. O estímulo aos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, segundo o CPC, é obrigação do Estado e dos advogados. Elenca o novo código, ainda, dentre os auxiliares da Justiça, os conciliadores e mediadores, além de determinar a criação, pelos tribunais, de centros de solução consensual de conflitos. É tamanha a importância da mediação para o CPC que passa a ser obrigatória realização de sessão de mediação ou audiência de conciliação antes da contestação, como primeira etapa do processo. 

O que mudou nos procedimentos arbitrais? Qual foi a colaboração da Seccional atendida na lei?
Gustavo –
O novo código contemplou algumas sugestões da OAB/RJ. Merece especial destaque a figura da carta arbitral, que viabiliza a comunicação eficiente entre árbitros e juízes (art. 260, § 3º). Outra importante iniciativa da Seccional está na possibilidade de interposição de agravo de instrumento contra decisão que rejeita a exceção de arbitragem (art. 1.015, III).

Qual o panorama na área da arbitragem, especialmente no Rio de Janeiro?

Gustavo –
A arbitragem tem assumido importância cada vez maior como via alternativa de resolução de conflitos no Brasil. Isso ocorre, principalmente, devido às vantagens comparativas da arbitragem em relação à via judicial, como, por exemplo: a celeridade na solução do conflito; a especialização dos árbitros; a participação das partes na formação do tribunal arbitral, com a possibilidade de indicação dos árbitros; a confidencialidade; a informalidade e a flexibilidade no procedimento. Historicamente, as instituições arbitrais domésticas de maior expressão estavam em São Paulo. No entanto, ao longo dos anos, a arbitragem vem evoluindo exponencialmente no Rio de Janeiro, com a consolidação de câmaras arbitrais de grande renome aqui sediadas. O Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), por exemplo, oferece toda a infraestrutura necessária para a realização de uma arbitragem, com secretaria extremamente eficiente e salas de audiência de última geração, com videoconferência, estenotipia etc. Ademais, o Tribunal de Justiça do Rio é um dos mais eficientes do país, possuindo sólida jurisprudência em favor da via arbitral.

São boas as expectativas de diminuir o imenso volume de processos em andamento e assim desafogar o Judiciário?

Gustavo –
As estatísticas indicam que hoje, no Brasil, existem mais de 100 milhões de processos em curso. É um volume descomunal de ações judiciais, sem precedente no mundo civilizado. As razões de tamanha distorção são as mais variadas. Sem sombra de dúvida, a concretização do princípio constitucional do acesso à Justiça, com a criação dos juizados especiais e a dispensa do pagamento de custas e honorários sucumbenciais, teve influência marcante no progressivo crescimento do número de ações em andamento. Associado a isso, houve a edição do Código do Consumidor e a facilitação do ingresso dos hipossuficientes em juízo, com o fortalecimento das defensorias públicas. Contribuíram para a atual situação, também, o desenvolvimento de novas tecnologias, a informatização de procedimentos e a padronização de petições, levando ao surgimento do contencioso de massa. Por fim, não se pode ignorar a importância do elemento cultural nisso tudo. A atual geração de advogados foi treinada para litigar; e não para buscar consensos. A primeira coisa que o advogado pensa, quando consultado pelo seu cliente, é qual seria a ação cabível; e nunca como buscar uma solução amigável para o problema. Existe uma cultura do litígio, que está enraizada e arraigada na comunidade jurídica nacional. A redução do contingente de processos passa necessariamente pela adoção de uma nova cultura de resolução de conflitos. Isso já começa a acontecer. Muitas faculdades de Direito já oferecem, no seu currículo obrigatório, matérias como mediação e arbitragem. O Judiciário, por muito tempo tão resistente à adoção das vias alternativas de resolução de disputas, tem assumido papel de protagonismo nesse processo, sob a liderança dos ministros Luiz Fux, à frente do novo CPC, e Luis Felipe Salomão, à frente da reforma da Lei de Arbitragem e da Lei de Mediação. 

Os juízes, em geral, querem retomar o controle sobre seus processos; e não ficar a reboque da avalanche de processos distribuídos diariamente. Perceba-se, no entanto, que o fomento à arbitragem não terá qualquer impacto no contingente de ações em curso. A quantidade de casos direcionada à via arbitral é ínfima. Verdade seja dita, a arbitragem não serve para solucionar todo e qualquer tipo de litígio. Primeiro, porque só podem ser resolvidas pelo juízo arbitral questões que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Segundo, porque há casos que, naturalmente, não devem ser levados à arbitragem, considerando os elevados custos nela envolvidos. A arbitragem funciona melhor para causas de maior dimensão econômica e dotadas de maior complexidade técnica. A aposta tem que ser na mediação e na conciliação. Mais acordos e menos litígios. Mais harmonia e menos beligerância. Só assim será possível reduzir o excesso de litigiosidade que estrangula o Judiciário e, no final das contas, acaba por importar na verdadeira negação do acesso à justiça. 

A necessidade de proporcionar maior segurança jurídica aos investidores nacionais e estrangeiros está atendida?

Gustavo –
A arbitragem não é instrumento voltado para reduzir o número de processos judiciais. É, todavia, mecanismo que aumenta a segurança jurídica e dá mais confiança aos investidores que têm interesse em empreender no Brasil. Existem pesquisas que indicam que os procedimentos arbitrais demoram, em média, 18 meses para serem concluídos. Fora isso, a jurisprudência, em especial do STJ, tem sido amplamente favorável à arbitragem, reconhecendo a validade das sentenças arbitrais. 

Com a Lei de Arbitragem e, mais recentemente, o novo CPC, ainda há possibilidade de conflitos de competência entre a arbitragem e o Judiciário?

Gustavo – É sempre possível que uma das partes venha a suscitar conflito de competência entre um tribunal arbitral e o Judiciário. A opção pela via arbitral, entretanto, tem sido reiteradamente confirmada pelas cortes, garantindo a necessária segurança jurídica para os investidores. Em geral, na linha das melhores práticas internacionais, a Justiça brasileira tem prestigiado o princípio competência-competência (segundo o qual cabe aos próprios árbitros decidir sobre sua competência, e não ao Judiciário), o que reduz, em muito, os riscos relacionados à instauração de um eventual conflito de competência. O risco maior hoje está na celebração de convenção de arbitragem para dirimir litígios em que exista controvérsia jurídica quanto ao cabimento da via arbitral, como no caso de conflitos trabalhistas. Neste caso, a tendência é a Justiça do Trabalho desconsiderar a cláusula arbitral e avocar a competência para processar e julgar o litígio.

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