30/05/2016 - 12:37

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TCU limita captação pela Lei Rouanet

30/05/2016 - 12:37

TCU limita captação pela Lei Rouanet

Projetos que necessitam de incentivo continuarão aptos

CARLOS PAIVA*
O Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão recente, indicou ao Ministério da Cultura (Minc) que (i) maximize as contrapartidas sociais e (ii) abstenha-se de autorizar a captação de recursos a projetos que apresentem forte potencial lucrativo, bem como capacidade de atrair suficientes investimentos privados independente dos incentivos fiscais.

Na esfera federal, a Lei Rouanet, concebida com três diferentes mecanismos (Incentivo Fiscal, Fundo Nacional da Cultura, Fundos de Investimento Cultural e Artístico), materializou com solidez apenas o primeiro deles. Isso limitou sua capacidade de lidar com a diversidade das ações do campo cultural.

Para resolver a situação em nível estrutural, o MinC encaminhou ao Congresso o projeto de lei do Procultura, que aperfeiçoa mecanismos já existentes na Rouanet, cria novos e garante um equilíbrio entre eles. Contudo, enquanto não for aprovado o novo marco regulatório, é preciso analisar a questão nos parâmetros vigentes. 
Quanto às contrapartidas sociais, o MinC considera que um bom livro, disco ou espetáculo permite uma série de ressignificações típicas da arte, que trazem em si importante valor social, assim como as tradições que constituem nossa identidade. Nesse sentido, as normas atuais trabalham com o conceito de democratização do acesso.

Quanto à segunda indicação do TCU, o MinC tem destacado a importância da cultura na diversificação da economia brasileira, em especial por ser reconhecida internacionalmente como uma área de alto valor agregado. Observando a Lei Rouanet, verifica-se que seus objetivos também são direcionados ao fomento da atividade econômica da cultura. Assim, é importante considerar a relevância de projetos que impulsionam essa economia, desde que contribuam para a efetivação de direitos culturais.

A questão colocada pelo TCU não se aplica a quaisquer projetos comerciais. O lucro é uma variável aceita e projetos comerciais que só são viáveis com incentivo não estão em xeque. A indicação do TCU aponta para projetos de características econômicas específicas: aqueles com forte potencial lucrativo e que certamente se realizariam sem incentivo, tornando o subsídio público desnecessário.

Na sistemática legal vigente, deve-se ter cautela ao formular critérios para a análise dessas características econômicas. Corre-se o risco de realizar uma apreciação subjetiva que, além de vedada pela lei, poderia ser pouco consistente, com orientações ideológicas, preferências estéticas ou direcionada a determinadas pessoas.
Para atender à indicação do TCU de maneira adequada, o MinC tem debatido a questão com diversos especialistas. Em seguida, colocará em consulta pública uma proposta de critérios objetivos para a análise econômica dos projetos, a ser incorporada nas normas vigentes como etapa integrante de um processo de avaliação com múltiplas manifestações técnicas e análise colegiada.

Assim, todos os projetos que necessitam de incentivo para serem concretizados continuarão aptos a solicitar os benefícios da Lei Rouanet. A preocupação legítima expressa pelo TCU indica a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de fomento, sem prejuízo do desenvolvimento econômico da cultura.

*Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC
*Com Clarice Calixto, consultora jurídica chefe do MinC

Decisão está em claro desacordo com a lei

FÁBIO DE SÁ CESNIK *
Neste início de ano foi noticiada a proibição pelo Tribunal de Contas da União do uso da Lei Rouanet para projetos com fins lucrativos ou autossustentáveis. O acordão é o número 191, de 3 de fevereiro de 2016. Em 18 de março último o Ministério da Cultura (MinC) apresentou embargos de declaração em face desta decisão, solicitando esclarecimentos para sua aplicação. Segundo o site do MinC, já foram iniciados os trabalhos para definir parâmetros de análise dos futuros projetos. O resultado desse estudo ainda não foi divulgado ao público, contudo.

Antes de comentar a evolução dessa decisão, uma digressão é necessária. A criação pela Lei Rouanet do Pronac – Programa Nacional de Apoio à Cultura – institui três mecanismos de canalização de recursos ao setor: o fundo de cultura (FNC), o Ficart e o mecenato. 

O FNC é fundo público que repassa recursos diretamente para ações culturais e deve priorizar aquelas de caráter mais social da cultura.

O Ficart é um tipo de fundo privado que está regulamentado e aberto aos que queiram fundá-lo. Aqui estão contempladas atividades comerciais e industriais da cultura.

Por fim, o mecenato, mecanismo pelo qual a Rouanet é mais conhecida, contempla não apenas ações sociais, mas também comerciais, tanto que autoriza empresas com finalidade lucrativa a propor projetos. Afinal, qual seria o objetivo de uma empresa comercial se não a de obter lucro? Ora, a canalização de recurso como forma de desenvolvimento de mercado acontece em outras áreas com incentivo: linha branca, automóveis, audiovisual etc. Imagine-se o caso de um filme: nunca se sabe previamente quanto ele trará de público. Se levar muita gente ao cinema, o incentivo não poderia ter sido concedido. Mas como descobrir isso previamente e escolher o que se aprova? Só se aprovariam as iniciativas, a priori, que se pudessem comprovar fracassadas do ponto de vista econômico?

O fato é que a decisão do TCU parece se fundar numa perspectiva muito mais moralista do que com base na lei. Afinal, a Rouanet foi editada para que se fomentassem o mercado, a indústria, e para estimular geração de emprego, renda e, por consequência, lucro aos agentes do setor e acesso ao público. 

Em notícia de 31 de março no site do MinC, o secretário de Fomento, Carlos Paiva, argumenta: “É preciso ser criterioso para a elaboração desses parâmetros, para que eles tratem restritamente da dimensão econômica das propostas. Caso contrário, podem resultar em avaliações pouco consistentes e em arbitrariedades”. A própria nota observa que a lei pressupõe uma objetividade primordial ao determinar que “não poderão ser objeto de apreciação subjetiva quanto ao seu valor artístico ou cultural”.

Esta decisão do TCU está em claro desacordo com a lei e gerará, se for aplicada sem enorme cuidado, uma tremenda insegurança no setor. Hoje, os projetos mais comerciais oferecem contrapartidas como ingressos mais baratos e cota de gratuidade. Afinal, como prever, de antemão, sem arbitrariedade e respeitando a isonomia, que um produto cultural vai ser lucrativo? O espaço para o dirigismo, mantido sempre distante dos mecanismos de incentivo, pode ser aberto. A melhor solução é discutir alterações consistentes na lei, e não aplicar esse remendo mal feito.
 
(*) Presidente da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ. Autor do livro Guia de Incentivo à Cultura

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