17/11/2017 - 16:39

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Regulamentação do lobby – PL 1.202/2007

17/11/2017 - 16:39

Regulamentação do lobby – PL 1.202/2007

Um primeiro passo para que possamos ter a esperança da democracia
ANA FRAZÃO*

 
Fatos recentes da política brasileira têm mostrado a fragilidade do nosso sistema representativo, evidenciando o quanto ele é suscetível de captura direta pelo poder econômico. Tal distorção ocorre não propriamente em razão da influência dos grupos de interesse na elaboração das leis – interferência natural em qualquer democracia –, mas sobretudo da forma como a influência do poder econômico tem ocorrido: diretamente, sem filtros, controles ou escrutínios, sem preocupação com o sopesamento ou a consideração de outros interesses e normalmente no contexto de barganhas privadas com os parlamentares envolvidos. Em casos mais graves, as práticas evoluem para a transformação do Poder Legislativo em um balcão de negócios, tornando todo o sistema político refém da corrupção.

Esse estado de coisas, além de possibilitar a prática de vários ilícitos, tem a grave consequência de aniquilar a ideia de república, inviabilizando o debate democrático em torno de ideias e do bem geral do povo e da nação. Afinal, o lobby sem controles privilegia excessivamente apenas um dos setores envolvidos – que, não por coincidência, é normalmente aquele que é economicamente mais forte –, muitas vezes sem que os outros tenham qualquer canal ou oportunidade de participação no processo legislativo. Daí a estreita relação entre lobby e poder econômico.

A questão da imposição de limites está, portanto, intrinsecamente relacionada à própria preservação da democracia e da república. São essas duas noções que impedem que o poder econômico possa interferir diretamente no processo político sem passar pelos filtros republicanos, assim como impede que apenas os seus interesses possam pautar os destinos da nação. Se a democracia pretende ser um sistema capaz de representar igualmente seus cidadãos, é inequívoco que, por mais que a igualdade absoluta possa ser uma utopia, não pode haver democracia quando existe uma grande desigualdade do ponto de vista da representação democrática.

Essas razões mostram como é urgente se pensar em mecanismos para disciplinar o lobby no Brasil, tal como pretende o Projeto de Lei 1.202/2007. Dentre os seus aspectos positivos, o projeto exige maior transparência e accountability em relação àqueles que se destinarem a essa tarefa – inclusive no que diz respeito aos gastos na atividade e aos pagamentos feitos em razão dela –, além de procurar assegurar um procedimento minimamente equitativo na representação de interesses. Os artigos 5º e 6º, por exemplo, são interessantes iniciativas para propiciar a oportunidade de que sejam ouvidos todos aqueles cujos interesses sejam afetados, criando um contraditório mínimo e evitando que o Legislativo decida de forma excessivamente enviesada e unilateral. Nesse aspecto, a transparência é fundamental, pois não pode haver democracia sem a preservação de um mínimo de higidez ao debate sobre as matérias submetidas ao processo legislativo. Por essa razão, a transparência deve abranger quem atua, como atua, quanto se gasta e como se gasta.
 
Transparência deveria ser também exigida dos parlamentares, que precisariam esclarecer a que atividades econômicas se dedicam direta ou indiretamente. 

Por mais que se saiba que a lei, sozinha, não é capaz de resolver todos os problemas relacionados ao lobby, ainda mais se não houver mecanismos para assegurar a sua efetividade, a regulamentação é certamente um primeiro passo para que possamos ao menos ter a esperança da democracia.
 
*Advogada e professora de Direito Civil e Comercial da Universidade de Brasília – UnB

Proposição que tramita no Congresso parece ter um objetivo bem restrito
FELIPE LÉLIS MOREIRA*

 
O Congresso Nacional está para votar uma proposta que dispõe sobre a atividade de representação de interesses, ou lobby.

Dentre as medidas que compõem o substitutivo aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados está a positivação da legalidade e da legitimidade do lobby que tenha como foco a criação ou alteração de normas jurídicas.

Antes de prosseguir, é importante deixar claro que lobby, advocacy e relações governamentais são alguns dos vários termos que podem ser entendidos como sinônimos de defesa de interesses em processos de decisão de autoridades públicas. A proposta em discussão no Congresso foca na elaboração de normas jurídicas, mas existem outros procedimentos que atraem a atenção de diversos grupos de interesses, tais como aqueles que dizem respeito às políticas públicas, como criação, alteração ou extinção de programas e ações de governo, bem como a indicação de autoridades para cargos de livre nomeação do chefe do Poder Executivo.

A proposição também cria um cadastro – facultativo – para os profissionais de relações governamentais – ou lobistas –, além de instituir a vedação aos ex-ocupantes do cargo de chefe do Executivo exerçam a atividade de representação de interesses por determinado período.

Consta do substitutivo, também, a proibição da percepção, por tomador de decisão ou pessoa em seu nome ou a ele vinculada, de qualquer vantagem, doação, benefício, cortesia ou presente com valor econômico. Mas, neste caso, o texto limita-se a ressaltar o que já está previsto na Lei de Improbidade Administrativa e, desse modo, não inova na ordem jurídica.

Pedimos vênia para afirmar que, da forma como está, a proposta atende mais à parcela da sociedade que é contra a regulamentação do lobby.

Apesar de enaltecer alguns princípios, como os da legalidade, ética, transparência e garantia de acesso às dependências dos órgãos e às autoridades públicas, a proposição não apresenta mecanismos para concretizar esses postulados. Ou seja, não cria regras de eficácia e efetividade para que não tenhamos mais uma “lei que não pega”.

No que se refere ao registro da atividade de lobby e dos seus praticantes, sua natureza poderia permanecer sendo facultativa para os lobistas, mas deve ser obrigatório para as autoridades públicas. Tudo poderia ser feito on-line, por meio de um portal da transparência. Assim, não haveria que se falar em aumento da burocracia, de custos com emissão de credenciais, dentre outros mecanismos burocráticos. Neste sentido, o Chile – primeiro país da América Latina a regulamentar o lobby – está bem avançado e o portal infolobby.cl é uma prova disso. Os legisladores brasileiros poderiam tomar a experiência chilena como exemplo.

A proposição que tramita hoje no Congresso parece ter um objetivo bem restrito, que é o de confirmar a legitimidade e a legalidade da atividade de relações governamentais. No entanto, deixa a desejar quando não enfrenta o desafio de criar mecanismos obrigatórios de transparência e novas regras para atenuar a assimetria econômica, informacional e de acesso nos processos de tomada de decisão.
 
*Advogado. Doutorando e mestre em Direito pela UFMG. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela UFF e em Direito Público pela UGF

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