10/10/2014 - 12:25

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No meio do caminho

10/10/2014 - 12:25

No meio do caminho

Técio Lins e Silva*

Desrespeitar advogado é crime. Este é um dos temas mais caros para a advocacia. O Conselho Federal da OAB e o Instituto dos Advogados Brasileiros já se manifestaram a esse propósito muitas vezes e os diversos projetos de lei sobre o assunto sempre sofreram boicote dos inimigos da liberdade, do direito de defesa e da advocacia. Quando era conselheiro federal pelo Rio, lembro-me de que um senador mantinha engavetado em seu gabinete um projeto de lei (PL) sobre o tema. Solicitei que destravasse o andamento do projeto, mas minha súplica foi em vão: ele não se conformava com a proposta.

Na Câmara, o cenário sempre foi o mesmo. As inúmeras tentativas de dar proteção às prerrogativas profissionais esbarravam na intolerância e na incompreensão do papel do advogado na garantia do Estado democrático de Direito.

Até que, no dia 2 de setembro, como um presente atrasado ao mês do advogado, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, por unanimidade, aprovou o texto do PLC 83/08, que altera a Lei do Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65) e criminaliza a conduta de violar direitos ou prerrogativas profissionais, impedindo ou limitando sua atuação e prejudicando interesse legitimamente patrocinado. O texto ainda será levado ao plenário do Senado, mas a vitória é digna de comemoração.

 A CCJ chancelou um substitutivo ao projeto inicial e ampliou o alcance da proteção legal, procurando resguardar não só os advogados, mas todas as demais categorias profissionais, contra a violação de direitos e garantias legais inerentes ao exercício de seu ofício. O texto aprovado confere à OAB o direito de formular representação judicial contra uma autoridade que comete abuso, prerrogativa atualmente reservada ao Ministério Público. Além disso, o PLC 83/08 estabelece pena maior para crimes de abuso contra o exercício profissional. A punição poderá passar de 10 dias a 6 meses de detenção para 2 a 4 anos de detenção, mais multa.
 
Trata-se de avanço extraordinário na direção do que a OAB luta há muitos anos, mas ainda estamos apenas no meio do caminho. É preciso insistir no projeto de criação de um tipo penal próprio sobre violação de prerrogativas dos advogados. 

Afinal, as prerrogativas profissionais são as garantias de que o advogado poderá cumprir seu múnus público, o que, indiretamente, constitui-se também numa garantia ao cliente de que terá preservados seus interesses jurídicos.

Relembre-se o que prevê o artigo 133 de nossa Constituição Cidadã: “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. 

Reconhecendo esse papel preponderante na administração da Justiça, o projeto do novo Código Penal (PLS 226/12) introduziu o tipo penal da violação das prerrogativas profissionais do advogado, no artigo 311, no capítulo dos crimes contra a administração da justiça.

Nada mais óbvio. Desrespeitar o advogado é um atentado à Justiça. Na justificativa da norma feita no anteprojeto, de minha autoria, está escrito: “Com a enfática afirmação do art. 133 da Constituição – O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos da lei –, era necessário incluir uma proteção penal às violações dos direitos e prerrogativas legais da profissão. Inúmeras iniciativas nesse sentido já tramitavam no Congresso, pretendendo dar eficácia ao comando constitucional, aos tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil assinou e ao próprio Estatuto da Advocacia e da OAB. A comissão reconheceu a relevância sistêmica dessa norma e a aprovou, por unanimidade de seus membros”.

Parecia que essa história estava encerrada, mas o projeto do novo Código Penal, embora já aprovado na CCJ, não andou, nem há previsão de movimento. Pudera: após dezenas de propostas de emendas, que desfiguraram sua estrutura inicial, há fundadas dúvidas se ele deve de fato prosseguir. Nossa proposta é verdadeira agulha em um palheiro de previsões inteiramente desconexas. E também ela foi vítima de modificação significativa pelo senador Pedro Taques, que estendeu seu alcance, de modo equivocado, para quem também violar as prerrogativas da magistratura e do Ministério Público, hipóteses, decerto, inocorrentes ou raríssimas. 

A melhor solução em trâmite, portanto, é o Projeto de Lei 7.508/14, do deputado federal Alessandro Molon, que ainda aguarda o parecer da CCJ. Tal PL propõe o acréscimo de um dispositivo ao Código Penal, tipificando, como crime, a violação de prerrogativas do advogado (art. 350-A do CP) com a seguinte redação: “Violar ato, manifestação, direito ou prerrogativa do advogado, nos termos da lei e no exercício de sua função, impedindo ou prejudicando seu exercício profissional. Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. §1°. A pena é aumentada de um terço, se do fato resulta prejuízo ao seu constituinte. §2°. Somente se procede mediante representação”. 

A proposta recentemente aprovada na CCJ, relativa ao PL 83/08, embora útil, é apenas um passo rumo a essa conquista maior: o reconhecimento de que violar as prerrogativas dos advogados é crime previsto no Código Penal.  

É certo que a experiência tem demonstrado a pouca utilidade da criação de novos crimes para coibir condutas desviantes. 

Todavia, o cotidiano desrespeito aos direitos dos advogados está a merecer resposta mais grave do arsenal legislativo. Algo mais expressivo do que os cada vez mais frequentes atos de desagravo dedicados às vítimas de violação às prerrogativas do Estatuto da Advocacia, sempre realizados em restritas cerimônias e no âmbito da própria classe.  

Oxalá, recebamos essa proteção penal, ainda que simbolicamente, já que a reprimenda não resultará na prisão do infrator. Mas sua existência, o simples enunciado na lei penal, consolida a proteção da cidadania e é pedagógico para os que não gostam dos advogados.
 
*Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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