03/11/2014 - 15:56

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Os tribunais nas redes

03/11/2014 - 15:56

Os tribunais nas redes

Pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça aponta que mais de 90% dos tribunais do país mantêm perfis em redes sociais. Porém, na maioria dos casos não há planejamento específico para a utilização das ferramentas e tampouco medição de engajamento ou alcance do conteúdo publicado

CÁSSIA BITTAR

Em pesquisa realizada em 2013, o Ibope revelou que o número de brasileiros conectados à internet já passa dos 105 milhões. Destes, segundo levantamento do instituto, os usuários ativos chegaram a 60,7 milhões em março deste ano. Entre as principais finalidades de uso estão as redes sociais: no Twitter, que tem mais de 200 milhões de usuários ativos no mundo, o Brasil está entre os cinco principais mercados. E no Facebook, no qual o país lidera o uso entre os latino-americanos, mais de 76 milhões de usuários ativos mensais são brasileiros, de acordo com o último levantamento divulgado pela própria rede.

O crescimento das redes sociais nos últimos anos trouxe uma nova possibilidade de linha de comunicação para empresas e órgãos públicos. Na área jurídica, uma pesquisa recente do Centro de Estudos Temáticos de Administração Pública (Cetem), encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontou que 94% dos
tribunais brasileiros já utilizam ferramentas de redes sociais para a divulgação de suas ações.

O estudo, feito durante junho e julho de 2014, mostrou uma radiografia da participação do Judiciário na rede. As perguntas foram respondidas por 86 dos 91 tribunais brasileiros, de todas as esferas, e levantou que a rede mais utilizada é o Twitter, na qual 91% dos tribunais contam com perfil. Em segundo lugar, o Facebook, em que 72% deles têm página oficial; seguido pela rede de fotos Flickr, com adesão de 65%; pelo site de vídeos Youtube, com 42%; e pelo Instagram e o Google Plus, com 12% cada. Ainda há 10% dos tribunais que se comunicam com os jurisdicionados por meio do WhatsApp; 2% pelo Skype e 1% que mantém perfil no Linkedin.

Porém, de acordo com o levantamento, em 69% dos casos, não há planejamento por parte dos tribunais na utilização das redes sociais e 51% deles não aferem o engajamento ou alcance do conteúdo publicado. Deste conteúdo, 33% são apenas réplicas das notícias dos sites oficiais. Em 27% dos casos, trata-se de divulgação de campanhas institucionais; em 19%, propaganda de eventos; 11%, referem-se ao compartilhamento de conteúdo de outras instituições. Em menor proporção, apenas 4% do que é publicado trata de incentivo à criação de outras redes.

Os números foram apresentados em agosto, durante o 2ª Workshop de Redes Sociais do Poder Judiciário, realizado pelo CNJ em Brasília. Segundo a editora de conteúdo digital da Secretaria de Comunicação do Conselho, Patrícia Costa, o objetivo foi identificar as deficiências dos tribunais com as ferramentas para oferecer formas de auxiliá-los.

“O CNJ começou a trabalhar com as redes em 2010. E mesmo sendo um órgão grande, com mais recursos, nós tivemos dificuldades. Agora imagine os tribunais que têm menos estrutura. Além disso, a adequação à linguagem das redes sociais é um assunto difícil de ser tratado”, observa.

Patrícia aponta outro obstáculo para o desenvolvimento dos perfis de alguns tribunais: “O princípio das redes sociais é a troca, a possibilidade de interagir com o público. E, normalmente, o Judiciário não está tão preparado para ouvir as queixas da população”.

A diretora de Inclusão Digital da OAB/RJ, Ana Amelia Menna Barreto, especialista na área de Direito e Tecnologia da Informação, ressalta que a maioria das cortes usa as redes como via unilateral de reprodução de matérias do site institucional: “São raros os tribunais com presença destacada nas redes sociais, fruto de trabalho e planejamento estratégico de comunicação para engajamento dos usuários, com lançamento de campanhas de interesse público”.

Segundo ela, os advogados conseguem se manter muito mais atualizados sobre o Judiciário por intermédio das redes. “Antes de ir ao site do tribunal, os colegas consultam o Facebook para saberem o que está acontecendo. Navegar no feed de notícias é muito mais fácil do que ficar procurando as matérias nos sites”, diz a advogada, frisando que a principal vantagem é a instantaneidade: “Se o sistema de algum tribunal estiver fora do ar, se querem anunciar uma manutenção programada ou notícia urgente, o advogado tem acesso a essas informações de forma muito mais rápida”.

No Rio de Janeiro, somente o Twitter é utilizado por todas as cortes, sendo a única rede social a que o Tribunal Regional Federal (TRF) aderiu até agora. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) possui também uma conta no Flickr, na qual são postadas as fotos de eventos e coberturas, e no Facebook, além de um canal no Youtube.

“Seguimos as orientações do CNJ e do Tribunal Superior do Trabalho que norteiam publicações específicas para cada rede. Buscamos a fidelização do nosso público-alvo e, para isso, criamos mensagens interessantes e de cunho prático para a vida do cidadão que lida com o mundo jurídico. Tomamos o cuidado de não transferir tudo o que é publicado no portal do TRT para as redes sociais. As linguagens são distintas. Contamos com um estagiário de Comunicação que nos ajuda no desenvolvimento dos posts”, afirmou a assessora de imprensa do TRT, Alessandra Martins, em nota.

O Tribunal de Justiça (TJ) também mantém perfis nas quatro redes, seguindo uma linha de serviços em seu canal do Youtube: “São produções nossas, a maioria com dicas sobre o processo eletrônico. Estamos ainda desenvolvendo essa plataforma e a ideia é postarmos com mais frequência futuramente”, explica a chefe do Serviço de Acompanhamento de Redes Sociais do TJ, Simone Araújo Fontarigo. Os perfis da Justiça estadual, em todos os sites, podem ser encontrados com o nome Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

O consultor em planejamento estratégico de marketing digital Nino Carvalho, um dos pioneiros em comunicação digital do setor público, ressalta que não é ideal, porém, que os tribunais se sintam na obrigação de criar perfis e façam isso de forma automática. “As redes sociais têm vantagens e desvantagens. É importante que o órgão as entenda e saiba que tem que potencializar o canal escolhido, seja qual for”, diz ele, para quem a internet deve ser usada como ferramenta de inteligência: “Isso significa ouvir a população e transformar esse retorno em insumos para novas ações”.

Carvalho afirma que, antes de qualquer planejamento, é importante conhecer os limites de cada instituição: “É preciso pensar no orçamento, nas competências humanas e nas limitações de cultura organizacional. Um órgão que não faz nem o atendimento básico direito, no balcão ou telefone, não deve abrir canais que são muito mais complicados de gerenciar, como as redes sociais, enquanto não estiver preparado”.

O consultor concorda que a dificuldade é ainda maior no setor Judiciário. “Infelizmente, há um legado no próprio DNA das organizações públicas, na mentalidade dos gestores, de falta de interesse em cumprir o papel de ajudar a construir uma sociedade melhor e de que a internet pode ser uma ferramenta para isso. A pesquisa não me surpreende porque, mesmo considerando os diversos obstáculos práticos como a falta de capacitação ou orçamento, muitos ainda pensam na internet como uma via de mão única, em que só se fala sem ouvir o feedback. Pior, só falam o que querem e o que pensam ser mais interessante para a própria imagem, e não para seu público”.

Patrícia Costa tem opinião semelhante: “Muitos gestores pensam nas redes como uma brincadeira e não monitoram o que é falado. Mas as críticas não vão deixar de existir porque eles não as estão vendo. Aqui no CNJ, buscamos mostrar que o feedback que temos em nossas redes nos ajuda a prestar serviços de comunicação e passar para os gestores o que é de interesse da população”, salienta.

Coordenador de multimeios do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja comunicação é considerada bem-sucedida por especialistas, Murilo Pinto conta que o trabalho de sua equipe é voltado para explorar as características próprias de cada rede de modo individual. Atualmente, o STJ possui perfis no Twitter, Facebook, Google+, Slideshare, Linkedin, Foursquare, Tumblr, Flickr, YouTube e SoundCloud.

"Assim como não faria sentido um programa de TV que exibisse as páginas do Diário de Justiça sendo folheadas, não faz sentido uma página de Facebook que apenas reproduza as notícias do portal; são mídias diferentes, e precisam ser tratadas assim. O que une essas diversas mídias sociais, porém, é a presença das pessoas – no caso do setor público, do cidadão – em todo o processo de comunicação, não só como objeto, mas como sujeito e agente de uma relação horizontal e recíproca de comunicação", afirma o comunicólogo.

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