10/10/2014 - 13:05

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Voto obrigatório ou facultativo?

10/10/2014 - 13:05

Voto obrigatório ou facultativo?

Dar ao cidadão liberdade plena de escolha é fundamental

PAULO PAIM*

O DataSenado e a Agência Senado realizaram enquete no site da casa para saber a opinião de internautas sobre uma das 23 proposições que tramitam no Congresso Nacional para instituir o voto facultativo a partir dos 16 anos, a PEC 55, de 2012. Dos 2.542 que participaram, 85% foram favoráveis à mudança da Constituição.

A população brasileira vem se convencendo ao longo do tempo de que o voto facultativo é melhor que o obrigatório. Começamos a perceber o que a grande maioria dos países do mundo já entendeu.

Dos 236 lugares do mundo onde há eleições, em apenas 24 o voto é obrigatório. Destes, só quatro – Áustria, Bélgica, Chile e Cingapura — estão incluídos entre os chamados países desenvolvidos, de acordo com o critério do Índice de Desenvolvimento Humano.

Os argumentos a favor do voto facultativo são muitos. O primeiro deles é que votar é um direito do cidadão, não um dever.

A verdadeira democracia somente se constrói a partir do desejo sincero de participação dos cidadãos, como ensina Alexis de Tocqueville, em seu clássico Democracia na América. Desse modo, o processo eleitoral se tornará mais qualificado. Só votarão os eleitores que estiverem conscientes de sua escolha, de acordo com David Fleischer, professor emérito de Ciência Política da Universidade de Brasília.

O ministro Marco Aurélio Mello, que recentemente deixou a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, disse, ao sair daquela corte, que é hora de avançarmos e pensarmos no voto facultativo, deixando de tratar os cidadãos brasileiros como tutelados. A mudança também transformará o comportamento da classe política, estimulando-a a um desempenho à altura, para que o eleitor se sinta motivado a votar.

Além disso, a busca de votos seria diferente, o esforço dos candidatos se daria no atacado, e não no varejo, reduzindo-se a chance da compra de votos ou do voto de “cabresto”.

Penso que está na hora de acabarmos com a ilusão de que o voto obrigatório pode gerar cidadãos politicamente evoluídos. Esta é uma grande falácia. Não há outro caminho pelo qual isso possa ser buscado que não a educação formal de qualidade.

A questão da legitimidade que o voto obrigatório conferiria às eleições é outra falácia. Uma massa de eleitores desinformados, que vende seu voto porque é obrigado a votar, também diminui a legitimidade do sistema, e de forma muito mais nefasta. Isso sem contar com o fato de que não comparecer às urnas também é um meio de se expressar.

A decisão de votar deve ser do eleitor. E tanto mais ele se engajará quanto mais acirrada for a disputa e quanto mais ele perceber que o resultado das eleições influenciará sua vida negativa ou positivamente.
Se precisamos de uma reforma política urgente, este pode e deve ser um primeiro passo importantíssimo. A democracia é regime que se aperfeiçoa a cada dia. Dar ao cidadão brasileiro a liberdade plena de escolha é fundamental.

Deve ser dele, e somente dele, a decisão sobre o que fazer com o seu direito de escolha e de manifestação política.

*Senador (PT/RS)

Sistema incluiu os mais pobres na comunidade política

JAIRO NICOLAU*

Uma característica interessante dos regimes democráticos é que eles comportam diversas configurações institucionais. Há países parlamentaristas, outros presidencialistas; nos anos 1950, a França misturou dois e inventou o semi-presidencialismo.  Há democracias unitárias  como o Reino Unido e outras  federalistas como a Alemanha. O caso mais extremo é o dos sistemas eleitorais. Ainda que possamos classificá-los em três grandes grupos (majoritários, proporcionais e mistos), na prática é quase impossível encontrarmos dois países com sistemas de escolha dos representantes iguais.

A decisão pelo voto facultativo ou obrigatório é outra característica que divide os países. Na tradição do voto compulsório, a participação é pensada como um dever do cidadão. A política serve a todos e ele é obrigado a se envolver com as grandes decisões políticas, da mesma maneira que teria outras atividades compulsórias, tais como pagar impostos e alistar-se no serviço militar. Na tradição do voto facultativo, a participação é tratada como um direito, que o cidadão pode ou não exercer. 

Depois de anos estudando as instituições de outras democracias, aprendi que é muito difícil defender uma opção institucional em abstrato. Em geral, as discussões deste tipo acabam em empate, com os interlocutores apresentando boas (e más) razões para adotar um modelo e não outro. Para dar um exemplo, acredito que o sistema eleitoral  proporcional é melhor do que o voto distrital. Mas conheço democratas ingleses que me oferecem boas razões para acreditar que o contrário é verdade.

Por esta razão, creio que a pergunta é: o que é melhor para a democracia brasileira?
Sou a favor da continuidade do voto e do alistamento obrigatórios por uma razão simples. Acredito que ambos foram fundamentais pela ampla  inclusão dos mais pobres e menos escolarizados no sistema político. Hoje, praticamente todos os cidadãos acima de 18 anos (e jovens de 16 e 17) fazem parte da comunidade política.  Parece um desafio pequeno, mas em países como forte desigualdade social como a Índia e os Estados Unidos, amplas parcelas (concentradas entre os mais pobres) estão fora do sistema político.

Já posso imaginar o leitor se perguntando: mas que incorporação é essa, mediada pelo clientelismo, pela compra de voto e pela apatia? Obviamente estas são características do nosso processo eleitoral que devem ser combatidas.  E não necessariamente serão suprimidas com o voto facultativo.

Agora pense no Brasil dos últimos 25 anos. Nos direitos sociais da Carta de 1988, nas políticas públicas implementadas para os mais pobres, na onipresença da questão social na agenda das eleições.  Com todas as distorções, criamos um sistema em que os representantes têm que olhar para baixo, têm que prestar conta aos menos escolarizados por um motivo crucial: estes necessariamente irão às urnas e são a maioria dos eleitores.

Quando leio que a abstenção nos Estados Unidos é bem maior entre os não brancos, pobres e moradores das periferias faço o exercício contrário: Será que eles não deveriam adotar o voto obrigatório? Será que o projeto de reforma do sistema de saúde teria tanta dificuldade de ser aprovado se todos os eleitores fossem obrigados a comparecer para votar?

*Cientista político

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