19/02/2013 - 18:59

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O jus postulandi não é uma obrigação, é um direito

19/02/2013 - 18:59

O jus postulandi não é uma obrigação, é um direito

PAULO MURILLO CALAZANS *
 
A faculdade de o trabalhador dirigir-se diretamente ao Judiciário trabalhista, o jus postulandi, constitui nobre e valiosa conquista em um país repleto de desigualdades, rico em vícios estamentais de uma sociedade ainda refém da Casa Grande, e sequioso de instrumentos conducentes a uma justiça material mais abrangente. Entretanto, com o passar do tempo, o jus postulandi, um direito em seu nascimento, assumiu feições de quasi-obrigação ao longo dos anos, já que à contratação de advogado, segue-se sanção (econômica), porquanto seu pagamento dar-se-á com parte dos créditos do reclamante e não consoante a regra geral processual pátria, que imputa esse ônus ao vencido na lide.
 
Hodiernamente, a linguagem excessivamente técnica, a enorme complexidade dos writs processuais
e da organização judiciária, e a própria racionalidade científica do Direito conspiram contra o acesso direto à Justiça, exsurgindo a importância do papel do advogado, tal como prescrito no texto constitucional, em seu essencial munus público, e aproximando cada vez mais o jus postulandi
da categoria de ficção jurídica. Ou, como asseverava Valentim Carrion, “uma armadilha que
o desconhecimento das leis lhe prepara”.
 
É inafastável a enorme relevância da efetiva e adequada argumentação jurídica que somente a advocacia pode oferecer dentro da dialética processual,
além da avaliação quanto a estratégia, oportunidade e riscos. O direito de assistência técnica por advogado, portanto, é instrumento precioso para o acesso à Justiça, sendo pertinente transcrever a famosa passagem da Suprema Corte Norte-Americana no caso Johnson v. Zerbst (1938), no qual afirmou-se que “o direito a ser ouvido [em juízo] seria, em muitos casos, de ínfima valia, se ele não compreendesse o direito de ser ouvido com a assistência de advogado”. A presença do advogado, embora eletiva, é certamente necessária e útil ao trabalhador. E, ao eleger constituí-lo para a causa, não há fundamento para se sobrecarregar o hipossuficiente com o ônus dos honorários caso vitorioso na causa. Afinal, se a juízo foi, e se a causa venceu, é porque seus direitos já tinham sido, com efeito, violados, e nenhum prejuízo adicional deveria sofrer.
 
Logo percebe-se que há algo tão fulcral quanto óbvio, e tão relegado quanto essencial: o jus postulandi não é uma obrigação, é um direito. A par disto, a dogmática jurídica e, sobretudo, a jurisprudência passaram a conviver com essa incongruência; em alguns casos até a acolhendo, como nas súmulas 219 e 329 do TST, e na Súmula 633 do STF.
 
Todavia, decisão recente do STF em outro campo do Direito parece revelar eventual incompatibilidade
entre este entendimento e a ordem constitucional. No julgamento do RE 384.866/GO, relator o ministro Marco Aurélio, o STF confirmou a inconstitucionalidade do art. 29-C, da L. 8.036/90, que houvera sido pronunciada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de Goiás. Afirmou o relator, em seu voto, que: “(...) a ordem jurídica constitucional não agasalha, uma vez existente o direito, a diminuição patrimonial. Aquele compelido a ingressar em juízo não pode ter contra si, além da passagem do tempo sem que possa usufruir de imediato direito, a perda patrimonial, que estará configurada caso tenha de arcar com as despesas processuais, com ônus decorrente da contratação de advogado para lograr a prestação jurisdicional (...), não pode o Estado dar com uma das mãos – viabilizando o acesso ao Poder Judiciário – e tirar com a outra (...)”.
 
O art. 29-C da L. 8.036/90 (Lei do FGTS) tem redação cujos efeitos jurídicos são bastante semelhantes às súmulas referidas e que, portanto, merecem ser revisitadas em face do princípio
ubi eadem ratio ibi eadem jus (onde há a mesma razão, há o mesmo direito). Ainda mais em se tratando de ramo do Direito onde a Carta Maior impõe específico regime de proteção em face da imanente desigualdade material subjacente.
 
E é evidente que este entendimento melhor se adequaria, outrossim, ao reconhecido princípio da proteção ao trabalhador. Já o entendimemento contrário, por sua vez, não recebe incidência
argumentativa de maior peso.
 
São sempre atuais as palavras de Cappelletti e Garth em sua renomada obra O acesso à Justiça:
“a finalidade não é fazer uma justiça ‘mais pobre’, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos
pobres”.
 
Advogado. Mestre em Teoria do Estado e Direito
Constitucional e ex-professor da PUC-Rio
 

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