19/11/2012 - 15:43

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Bloqueio em processo eletrônico é atentado - Walter Capanema

19/11/2012 - 15:43

Bloqueio em processo eletrônico é atentado - Walter Capanema

Os tribunais estão, gradativamente, se adaptando ao processo eletrônico e, com isso, criando suas normas regulamentares, estabelecendo requisitos e procedimentos.
 
Causa estranheza, contudo, a definição da pena de "bloqueio" de acesso do advogado ao sistema, que pode ser encontrada nas resoluções 427/2010 do Supremo Tribunal Federal (art. 4o, parágrafo único), 01/2010 do Superior Tribunal de Justiça (art. 18, par. 3o) e 94/2012 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, que regulamenta o seu Processo Judicial Eletrônico (art. 29).
 
No caso do STF, por exemplo, ocorrerá o bloqueio em caso de "uso inadequado do e-STF (seu sistema processual) que venha a causar prejuízo às partes ou à atividade jurisdicional".
 
Norma, infelizmente, peca pela simplicidade
Mas o que seria esse "uso inadequado"? A invasão do sistema? A destruição de documentos do processo? A fraude? O envio de vírus de computador? 
 
Haveria, ainda, a necessidade de prova da culpa in committendo do advogado, ou se trataria de responsabilidade objetiva? 
 
A norma, infelizmente, peca pela simplicidade.
 
Imagina-se, v.g., a hipótese de um advogado que pretenda enviar a sua petição ao STF, e se cercando de todos os cuidados de segurança possíveis, analisa seus arquivos com um programa antivírus devidamente atualizado, tendo a certeza, assim, de que seu sistema está imune.
 
Todavia, ao término do envio desta petição, o sistema do tribunal verifica que havia um vírus de computador no arquivo e determina, por conseguinte, o bloqueio do usuário; seria justo, nas circunstâncias descritas, punir o advogado, que adotou as medidas  protetivas disponíveis, e, mormente quando se tem consciência de que,em segurança informática, não podemos utilizar a certeza absoluta, mas apenas a probabilidade?

Bloqueio de cadastro permite imposição de sanção disciplinar por órgão judicial,  desrespeitando Estatuto da Advocacia e sem observar princípios do contraditório, da ampla defesa e da razoabilidade
Por conseguinte, seria justo impor uma sanção tão grave sem garantir ao advogado o contraditório e a ampla defesa, princípios basilares de um Estado de Direito, previstos na Constituição Federal em seu art. 5o, LV?
Não há, nas normas que definem a pena de "bloqueio", a conceituação de que tipo de conduta, especificadamente, determinaria tal procedimento; posto que se trata de um imperativo de deveria ser  também graduado segundo a extensão do ato praticado. Mas não seria muito grave impor ao advogado esta sanção, que praticamente o impediria de exercer sua profissão no âmbito daquele tribunal?
 
A Resolução do PJe-JT, por exemplo,  se refere a "bloqueio provisório", que poderá ocorrer em relação ao processo que deu causa ou a todo o sistema.
 
Seria interessante, também, analisar a natureza jurídica do bloqueio de cadastro. Se ele guarda relação direta com a conduta praticada pelo advogado no sistema de processo eletrônico, não seria uma sanção processual? Se este raciocínio prevalecer, vê-se que as normas supracitadas seriam inconstitucionais, pois só por meio de lei de iniciativa da União é que poderiam ser veiculadas, conforme determina o art. 22, I, CF.
 
E o mais importante: quem determinará este bloqueio? Será o "sistema", esta "entidade computacional" desprovida de razão e de capacidade de análise de fatos e de argumentos jurídicos? Pode um programa de computador decidir o destino profissional de um advogado? O STJ e o PJe-JT, por sua vez, atribuem esta competência à "autoridade judiciária" correspondente/competente.
 
Na realidade, pode-se dizer que o bloqueio de cadastro do processo eletrônico guarda semelhança às sanções previstas  pelo mau comportamento ou abuso, nos contratos de serviços da internet, como no caso de redes sociais (Facebook, Orkut) e de  lojas de mídia (iTunes/Mac AppStore).
 
Acontece que o sistema do processo eletrônico não é um simples serviço de internet, mas um verdadeiro instrumento para a defesa de interesses legítimos perante o Poder Judiciário.
 
Vejo que, por se tratar de uma sanção ao advogado, no exercício de sua função, a legitimidade para a sua imposição deve ser do respectivo Conselho Seccional da OAB em que tenha ocorrido a infração, salvo se cometida perante o Conselho Federal, conforme determina expressamente o art. 70, caput, da Lei 8.906/94, constituindo uma medida arbitrária a sua fixação pelo Poder Judiciário.
 
Vale notar que no rol taxativo de penalidades do art. 35 do Estatuto da Advocacia constam apenas a censura, suspensão, exclusão e a multa, nada mencionando sobre o tema em debate.
 
Portanto, o bloqueio de cadastro é medida de duvidosa constitucionalidade e que ofende, diretamente, as prerrogativas do advogado, pois permite a imposição de sanção disciplinar por órgão judicial, em claro desrespeito ao Estatuto da Advocacia e sem observar os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da razoabilidade.
 
Walter Capanema é secretário-geral da Comissão de Direito e Tecnologia da Informação da OAB/RJ.
 
Versão online da Tribuna do Advogado, edição de novembro de 2012.
 

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