19/11/2012 - 17:23

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Em entrevista, neta de Sobral Pinto e diretora de filme fala sobre avô

19/11/2012 - 17:23

Em entrevista, neta de Sobral Pinto e diretora de filme fala sobre avô

Comente esta nota no Facebook  |  Arte: Flávia Marques
Neta do jurista e diretora do documentário Sobral - O homem que não tinha preço, Paula Fiúza conta nesta entrevista à Tribuna do Advogado como era a vida em família e o que a levou a produzir um filme tocante, resgatando em episódios históricos a figura humana e o exemplo ético e de respeito às leis.
 
Leia abaixo a entrevista.

Como era o avô Sobral para a neta Paula?
 
Quando criança, meu avô era apenas uma pessoa carinhosa e distante, que eu visitava aos domingos e que me recebia com uns beliscões furtivos – e, diante dos meus protestos, dizia com um riso travesso que eram os mosquitos me picando. Sabia que ele era uma pessoa importante, eu mesma sentia o peso do sobrenome em qualquer lugar que ia, mas não entendia bem o porquê. Fui começar a entender mais tarde, na adolescência, com a abertura política e a circulação de informação que voltou a acontecer depois de anos de obscurantismo. Nos anos 1970 não se falava de política na minha casa, nem na escola. Mas acho que só fui entender mesmo o tamanho do meu avô agora, no processo de fazer este filme.
 
Como surgiu a ideia de fazer o documentário? Quais as dificuldades encontradas e o que motivou você a persistir no projeto?
 
A ideia de fazer um filme sobre meu avô sempre me povoou a cabeça. Sobral Pinto morreu em 1991, e de lá pra cá as pessoas foram se esquecendo dele. Havia apenas uma biografia feita por um brasilianista americano, que é rica em fatos históricos, porém não faz jus à figura humana de Sobral. 
 
Mas o projeto tomou corpo a partir de uma inquietação crescente minha em relação ao que percebia como a falência da ética na nossa cultura. No que pusemos uma pá de cal sobre a ditadura e o poder voltou a ser regido por leis democráticas, me pareceu que não havia mais parâmetro ético para a aplicação de qualquer lei. Que não havia mais consciência individual guiando os atos públicos e privados. Nesse cenário de vale tudo, faltava, e continua faltando, a figura de Sobral Pinto. Achei que fazer um filme sobre ele era a contribuição mais direta que eu poderia dar para tentar mudar esse cenário.
 
Em termos práticos, não foi fácil, claro. Um documentário para cinema precisa vencer a burocracia das leis de incentivo, e precisa ter quem acredite no filme, apesar de não ser um projeto lucrativo. Por cinco anos toquei essa produção sozinha, bancando pesquisa e uma primeira fase de filmagem com investimento do meu próprio bolso e também do meu pai, João Batista Menescal Fiúza, a quem dedico o filme (foi o primeiro investidor na ideia, e não viveu para ver o filme pronto). 
 
Dois anos atrás, porém, resolvi me associar ao produtor Augusto Casé, e o projeto decolou. É um filme de baixíssimo orçamento, mas foi o suficiente para colocar a história de Sobral Pinto linda na tela. A OAB/RJ foi fundamental ao completar os recursos que faltavam para a filmagem. Os demais recursos vieram do BNDES, através de edital, dos distribuidores e do apoio de parceiros como a Rede Globo, que cedeu imagens preciosas de arquivo a custo zero.
 
O resultado final emocionou as plateias que assistiram a Sobral no Festival do Rio. Como neta e como diretora, você acha que o filme fez jus à história dele? Quais as cenas ou os episódios que, aos seus olhos, merecem maior destaque?
 
Foi difícil condensar a essência de Sobral Pinto em 80 minutos, mas espero ter feito jus a ele. O filme tem, para mim, duas funções: homenagear Sobral e prestar o que eu considero um serviço público, que é trazer para os dias de hoje, tão carentes de bons exemplos, uma figura singular como Sobral Pinto. 
 
A sua luta solitária para garantir o direito de Juscelino Kubitscheck de se candidatar à presidência da República, apesar de serem opositores políticos, em nome de um ideal maior que é a democracia e o respeito às leis, é um episódio que eu considero dos mais importantes em termos históricos. Juscelino muito provavelmente não teria chegado à presidência e o curso da história brasileira seria outro, não fosse a obstinação de Sobral em fazer valer a justiça. E sua posterior recusa em aceitar a indicação de Juscelino para o Supremo Tribunal Federal, deixando claro que tinha agido para defender a Constituição, e não para ter vantagens, resume a personalidade de Sobral. 
 
O que eu mais desejo é que o filme atinja o maior número de pessoas possível e que Sobral Pinto possa servir de inspiração para esta e para futuras gerações.
 
Quais as características de Sobral, como pai de família, cidadão e advogado, que o levaram à dimensão e estatura pública alcançadas, tornando-o uma das figuras mais importantes do Brasil do Século 20 e servindo de inspiração e exemplo até hoje?
 
Sobral Pinto era um advogado brilhante, mas mais importante que isso, era um homem de convicção e coragem. Um homem impossível de comprar, bens materiais não o seduziam. Viveu em nome de um ideal de justiça e bem comum, e canalizou toda sua energia, inteligência e sagacidade para este fim. E você vê no filme que ele era um homem feliz, capaz de rir nos momentos mais improváveis, com uma leveza de espírito surpreendente para uma pessoa acostumada a contextos pesadíssimos. Acho que isso era resultado da certeza que ele tinha do caminho que escolhera, e do qual não se desviava. 
 
Ele defendia seu ideal de justiça com uma paixão sem limites, um sentimento contagiante. Como disse uma vez minha mãe, Gilda (filha caçula de Sobral), meu avô era uma pessoa apaixonada, e por isso se tornava apaixonante.
 
Versão online da Tribuna do Advogado de novembro.
 

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