16/03/2015 - 12:40

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Reaproximação da ética e do Direito e os reflexos na seara tributária

16/03/2015 - 12:40

Reaproximação da ética e do Direito e os reflexos na seara tributária

FÁBIO NOGUEIRA
 
O aumento do déficit público, aliado à expansão da despesa pública provocada pela máquina administrativa ineficiente, bem como a corrupção endêmica que grassa em nosso país, impulsionam o Estado aumentar o volume da arrecadação tributária; muitas das vezes sem atenção aos princípios estruturantes inseridos em nosso texto constitucional.

A tributação é um importantíssimo instrumento de viabilização de políticas públicas. Sendo a principal fonte de custeio do Estado, entretanto, deve se dar dentro dos limites constitucionais, sendo justa e adequada.
O dever de contribuir é um pressuposto à existência do Estado, uma vez que é da atividade tributária que se tem maior quantitativo de receitas para custear a máquina estatal, sendo também um instrumento de transformação da sociedade e elemento contribuidor para o fortalecimento dos princípios democráticos. Assim, é necessário que haja uma relação juridicamente determinada entre esse dever e os direitos de quem suportará o ônus tributário, pois sem essa conformação não há como falar em Estado Democrático de Direito.

Indubitavelmente, há uma vinculação entre a atividade tributária e os direitos fundamentais, na qual a proteção desses direitos é fator essencial para a solidificação de um Estado verdadeiramente democrático. Nesta visão contemporânea, a tributação existe como forma de realização da justiça social, com o propósito de se alcançar uma vida digna para todos; sendo os direitos dos contribuintes construídos a partir dos direitos de liberdade e de propriedade.

Como a tributação hodierna envolve questões de uma sociedade pluralista, desigual e injusta, deve-se buscar justiça, sendo necessária a definição de um sistema tributário igualitário; de modo que o Estado ao exercer a atividade tributária distribua de forma equânime a carga entre os membros da sociedade, para que os cidadãos contribuintes paguem impostos proporcionais e razoáveis em conformidade com a sua capacidade contributiva. 
 
Nesta perspectiva, cumpre-se registrar que o Direito Tributário não se faz sem uma interlocução com o Direito Constitucional, investigando os direitos e deveres fundamentais dos contribuintes sob uma perspectiva neoconstitucionalista, na busca de meios que sejam capazes de assegurar os direitos fundamentais do contribuinte, especialmente diante de situações concretas. Acrescente-se que o Direito Tributário é ramo em que se observam fortemente as influências do positivismo jurídico de índole normativista, em que boa parte da doutrina especializada é refratária à ideia da reaproximação da ética e do Direito. 

Importante ressaltar que o Estado democrático exige que as imposições estatais sejam não somente legais, mas também legítimas, voltando-se para a realização do interesse público e dos direitos fundamentais, especialmente o da dignidade da pessoa humana, sob pena de contrariarem a própria Lei Maior e fazerem do Direito um manejo de pura lógica, sem compromisso com a Justiça (Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade ). 

Assim, o ideal de justiça fiscal e a efetividade do princípio da capacidade contributiva não vão se revelar apenas pela adequada configuração legal da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.  Ao contrário, o triunfo de tais ideias passa necessariamente pelo resgate ético da vida tributária nacional, a partir de um eficaz combate não só à evasão fiscal, mas principalmente à elisão desarrazoada, praticada por meio do abuso de direito em suas mais variadas nuances.  

Cumpre destacar que os direitos fundamentais formam o alicerce no qual está amparado o Estado Democrático de Direito. São, assim, os elementos que garantem a legitimidade deste Estado, em que todos os cidadãos exercem um papel importantíssimo na busca dessa nova sociedade, que deve ser composta por pessoas livres e iguais. 

Neste viés, a Constituição da República enumera direitos e garantias fundamentais ao desenvolvimento do ser humano como valores primordiais que devem ser protegidos, de forma efetiva, pelo Estado. No entanto, em que pesem os preceitos constitucionais promoverem a defesa dos direitos fundamentais, grande parcela da sociedade brasileira padece com a falta de concretização desses. 

Em virtude de tais considerações, faz-se necessária a adoção de um estudo mais aprofundado desta face oculta dos direitos fundamentais, pois, para a efetivação dos mesmos, torna-se absolutamente relevante a observância deste outro lado da moeda, mormente pelo fato de que, para que haja uma sociedade de livres e iguais, um determinado nível de direitos fundamentais, sejam os clássicos direitos e liberdades, sejam os mais modernos direitos sociais, não podem deixar de ter custos compatíveis com essa liberdade. Assim, o dever de pagar tributos é correspectivo à liberdade e aos direitos fundamentais. 

É inegável o fato de que há uma grande resistência ao poder de tributar do Estado, e tal postura justifica-se na medida em que o retorno pela alta carga tributária é risível, entretanto, o tributo é a principal fonte de financiamento do Estado, mormente para a implementação de políticas públicas, que visam ao atendimento aos direitos fundamentais de liberdade e sociais, no que tange ao mínimo existencial.

Assim, a concepção elitista da democracia é inadequada para transpor o comportamento que caracteriza o mercado para o processo político democrático, visto que “na política, por outro lado, o cidadão é instado a decidir não só sobre aquilo que diz respeito a si, mas também sobre questões que concernem a outras pessoas e a toda comunidade” (Claudio Pereira de Souza Neto, em Teoria constitucional e democracia deliberativa: um estudo sobre o papel do direito na garantia das condições para a cooperação na deliberação democrática). Denota-se, assim, a necessidade de o cidadão contribuinte entender que a legitimidade das decisões estatais resulta do fato de terem sido tomadas por seus próprios destinatários, sem perder de vista que o fundamento moral é intrínseco à democracia (Claudio Pereira de Souza Neto, na obra citada), o que ressalta a importância do dever fundamental de pagar tributos, inclusive no que tange a busca de mecanismos para evitar a elisão fiscal abusiva.
 
*Advogado, conselheiro seccional e coordenador-geral das comissões da OAB/RJ, presidente da Comissão Especial da Justiça Federal e membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários

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