19/08/2015 - 12:40

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A Justiça na era do WhatsApp

19/08/2015 - 12:40

A Justiça na era do WhatsApp

Uso do aplicativo pelo Judiciário abre debate sobre segurança jurídica e adequação às formas eletrônicas de comunicação
 
CÁSSIA BITTAR
Cada vez mais presentes na vida da população mundial, acessadas 24 horas por dia através dos mais diversos gadgets disponíveis, as redes sociais são já há alguns anos reconhecidas como um fenômeno e adotadas profissionalmente. Agora, passam por novo momento: com a disseminação do WhatsApp, aplicativo que pode ser utilizado no celular e em alguns computadores para mensagem instantânea por meio de dados, está em curso uma revolução na comunicação de empresas e até mesmo do Judiciário.

A adoção vem sendo esporádica, mas muito repercutida. O último caso divulgado pela imprensa, em junho, trata do primeiro acordo trabalhista realizado por meio do aplicativo, na Justiça do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP). Sem a participação de advogados no processo, as partes fizeram toda a negociação pelo WhatsApp e só precisaram ir ao fórum para assinar a documentação.

O acordo foi coordenado e orientado pela juíza Ana Cláudia Torres Vianna, diretora do Fórum Trabalhista de Campinas e responsável pelo Centro Integrado de Conciliação de 1º Grau. Ela implantou na serventia o projeto Mídia e mediação, que usará a plataforma digital para estimular o diálogo à distância entre as partes.

Em outro episódio recente, o juiz Ney Maranhão, titular da Vara do Trabalho de Tucuruí (PA), do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, utilizou o aplicativo para notificar e dar ciência de sentença a reclamados que se encontravam fora do país. Segundo ele, a medida foi adotada após várias tentativas convencionais e devido à urgência de dar andamento ao processo movido pelo Ministério Público do Trabalho em favor do trabalhador de uma madeireira, porque ele teria desenvolvido uma grave doença ocupacional em sua função.

“Tendo em vista a ausência de domicílio dos reclamados em território nacional, foi expedida carta rogatória para notificação, o que exigiu gastos com tradutor juramentado e sujeição ao trâmite burocrático que envolve o Ministério das Relações Exteriores. Passado longo tempo e mesmo diante de diversos contatos por email e telefone, não obtivemos informações sobre o cumprimento regular da carta rogatória. No entanto, na audiência, fui convencido de que, apesar da ausência de resposta oficial, a carta expedida tinha cumprido o seu propósito, tendo ficado provado que, verdadeiramente, os demandados detinham pleno conhecimento do trâmite do processo, inclusive da sessão inaugural”, conta Maranhão.

Ele explica que, na audiência, os irmãos do reclamado informaram o número do celular com WhatsApp que ele utilizava no Suriname. “Com base na prova oral colhida em sessão, dei como regularmente intimados os demandados, reconhecendo a ausência injustificada, e prolatei a sentença de condenação”.

O magistrado salienta que seguiu o princípio da instrumentalidade das formas e que foram enviados a íntegra da sentença e o cálculo, respectivamente, por texto e fotografia, do aparelho celular do oficial de justiça. “No mesmo dia, o aplicativo acusou a leitura pelo destinatário com o sinal de duas linhas azuis, o que foi objeto de certificação nos autos. A certeza da eficácia da intimação veio alguns dias depois, quando a empresa encaminhou expediente para a vara com suas alegações”.

Porém, para a diretora de Inclusão Digital da OAB/RJ, Ana Amelia Menna Barreto, é preciso ter cautela na utilização do aplicativo em casos como esse. Ela ressalta que a maior parte do Judiciário ainda é resistente à adoção de práticas não convencionais, principalmente ferramentas de comunicação, mas que não se pode deixar de lado a segurança jurídica: “O Judiciário não só pode como deve investir na área de Tecnologia da Informação, porém com a indispensável segurança jurídica exigida para a comunicação dos atos processuais. A exibição do tique duplo azul na tela do equipamento do emissor da mensagem não proporciona a certeza de que esta foi lida, bem como lida pelo legítimo receptor”, frisa.

Seu posicionamento vai ao encontro do que pensa o ouvidor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Fabiano Silveira. “O Judiciário deve cada vez mais estabelecer formas eficazes de interação com a sociedade. Nesse sentido, não se pode, em princípio, por preconceito ou desconhecimento, recusar as novas tecnologias. Mas deve-se tomar o cuidado de não banalizar a atuação dos órgãos desse poder. As formalidades mínimas dos atos processuais precisam ser observadas, até para preservar o direito das partes e a dignidade da Justiça”.

Ana Amelia cita como bom exemplo de utilização da ferramenta o da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que instituiu, por meio da portaria 12/15, o aplicativo, permitindo o acompanhamento processual pelos advogados, magistrados, partes envolvidas e até testemunhas. Na serventia, os envolvidos precisam ser previamente cadastrados para que sejam inseridos no grupo referente ao caso. Imagens, vídeos, áudio e documentos relacionados ao processo podem ser enviados por meio do WhatsApp.

Juiz titular desta vara, Ali Mazloum explica que a adoção do aplicativo na serventia não substitui intimações oficiais, serve como complemento que faz parte de um programa para dar mais celeridade à Justiça: “A finalidade do WhatsApp é ser instrumento facilitador do trabalho do advogado, não um complicador. A ideia é que eles possam utilizar a ferramenta para evitar o deslocamento até o tribunal, obtendo serviços de informação processual instantâneos, fotografia de despachos, feedback de alguma petição ou até mesmo agendar visita ao juiz e marcar data para consultar os autos”.

Mazloum reforça a percepção de Ana Amelia quanto à resistência por parte do Judiciário: “Persiste uma visão um tanto arcaica do processo, preferindo-se a forma ao resultado útil, que pode ser alcançado com meios mais modernos, não necessariamente os rituais obsoletos ainda vistos. A ferramenta é bastante útil ao bom desenvolvimento do processo, à celeridade e economicidade, mas encontramos resistências que são muito mais internas do que externas por falta de uma cultura que deveria acompanhar a evolução tecnológica presente em todos os demais setores da vida e que pode perfeitamente ser aplicada à atividade jurisdicional”.

Ana Amelia frisa que o uso do aplicativo deve ser opcional: “Qualquer ferramenta tecnológica que promova um canal de comunicação alternativo e complementar é bem vinda, como a utilizada pela 7ª Vara Criminal Federal em São Paulo. Mas o WhatsApp deve ser uma ferramenta complementar, para facilitação e agilização de comunicação, uma vez que não existe previsão legal para uso dessa plataforma de mensagens para fins de intimação”.

Já o presidente do Comitê Gestor de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Nagib Slaibi Filho, acredita que a Lei 11.419/2009, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, contempla a utilização do aplicativo. “O texto prevê a intimação eletrônica e não prevê a forma, então qualquer meio seguro para essa intimação é eficiente, abrindo espaço para o WhatsApp e o Telegram”, aponta.

Ele encara os novos meios de comunicação como uma necessidade frente a quantidade de processos que correm na Justiça: “Hoje temos cerca de 800, 900 oficiais de justiça para dar conta de todas as intimações. E vemos que os advogados cada vez mais têm contratado o serviço de empresas para a seleção de leitura do Diário Oficial, porque é muita coisa para acompanhar”.

Para o desembargador, a intimação por meio eletrônico, inclusive pelo WhatsApp, tem a mesma garantia de recebimento de uma por meio do Diário Oficial. “Certamente também serão criados serviços para leitura das publicações eletrônicas”, completa, afirmando ainda que o TJ é “amplamente receptivo ao tema”, mas que ainda não há estrutura no Rio de Janeiro para a aplicação: “Muitas varas ainda não contam com o processo eletrônico. Primeiro é preciso trabalhar nisso para, quem sabe ano que vem, pensarmos em novas formas eletrônicas de comunicação”, acredita ele.

O ouvidor do CNJ, Fabiano Silveira, conclui que, frente à demanda, é necessário um pensamento conjunto sobre a utilização dos aplicativos pelo Judiciário: “O debate acerca da incorporação de ferramentas como as redes sociais da internet para propiciar maior efetividade e economicidade na comunicação dos atos processuais é sempre bem-vindo. Assim, tanto o poder público quanto os atores integrantes do sistema de Justiça devem participar da construção de consensos mínimos acerca do uso de tais procedimentos, de maneira a harmonizar ambos os princípios em prol de uma melhor prestação jurisdicional”.
 
Aplicativo é usado dentro e fora do expediente

Além do Judiciário, empresas e profissionais autônomos já adotaram o WhatsApp como forma de otimizar a comunicação com clientes e a troca de informações, entre os funcionários, sobre o trabalho. Porém, com a instantaneidade das mensagens e a facilidade de acesso a elas, na palma da mão, um novo cenário se impõe: a ultrapassagem da jornada de trabalho com as demandas por meio do aplicativo a qualquer hora do dia, da noite ou do fim de semana.

Analista de projetos em uma instituição de ensino e pesquisa científica, C., que preferiu não ser identificada, conta que é acionada pelo grupo de trabalho no WhatsApp inclusive nas férias: “Já houve casos de me consultarem em viagens e até de reclamarem, na segunda-feira, por eu não ter visualizado uma solicitação no fim de semana. A cultura da empresa impõe quase como obrigação que estejamos disponíveis o tempo todo”.

Já o analista de marketing na equipe de mídias B2W Lucas Mattos diz que ajuda no trabalho manter contato praticamente em tempo integral com seus clientes e fornecedores: “Como não tenho acesso remoto ao email da empresa, é uma forma de agilizar a comunicação para assuntos mais urgentes. Mas acho invasivo, mesmo assim. O que acontece é que o mercado tem instituído a tendência do uso do WhatsApp. É trabalho full time”.

Para o presidente da Comissão de Justiça do Trabalho da Seccional, Marcus Vinicius Cordeiro, acionar os empregados por este meio fora do horário de expediente pode, sim, configurar hora extra, que pode ser requisitada em Justiça. “O artigo 6 da CLT afirma que ‘não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego’, completando, inclusive, que entre as formas de controle pelo empregador estão as informatizadas”, explica ele.
 

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