03/08/2018 - 21:00

COMPARTILHE

'Corte Interamericana pode divergir da decisão do STF sobre punição a torturadores'

03/08/2018 - 21:00

'Corte Interamericana pode divergir da decisão do STF sobre punição a torturadores'

'Corte Interamericana pode divergir da decisão do STF sobre punição a torturadores'

 

Em novembro, será dada a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), na ação em que o Estado brasileiro é acusado de responsabilidade na detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas na guerrilha do Araguaia, durante a ditadura militar, e da qual a OAB/RJ participa na condição de amicus curiae. Para o advogado Roberto Caldas, que atua como juiz ad hoc na Corte, será um momento de desafio para o sistema judicial brasileiro, no qual o amadurecimento político das instituições deverá ser demonstrado. Na entrevista que segue, ele analisa as expectativas sobre o processo e explica como funciona o tribunal.

 

 

Patrícia Nolasco

 

Quais as expectativas para o julgamento?

 

O que tem chamado muito a atenção no Brasil é que o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre questão parecida, quando rejeitou o pedido da OAB para rever a abrangência da Lei da Anistia para agentes do Estado que praticaram tortura. A grande questão é: pode a Corte Interamericana deliberar, depois que o STF falou? Pode e deve. Quando a causa trata de direitos humanos, a última palavra é dos tribunais internacionais. Isso desde o pós-guerra, em que o sistema das Nações Unidas resolveu que os casos de direitos humanos sairiam da esfera da soberania absoluta para ser levados a um sistema internacional em que se pudesse proteger a vida dos maus tratos infligidos pelo Estado. Isso veio muito forte ante os malefícios que o nazismo e o fascismo trouxeram.

 

 

No caso de a Corte chegar a entendimento diferente do STF, o que deve acontecer?

 

Seria avançar, não posso dizer em que linha deve ser. A posição brasileira de respeito às decisões da Corte Interamericana é muito importante como modelo para o mundo e tudo leva a crer que qualquer decisão será respeitada pelo Estado. Pela normativa, a decisão da Corte deve prevalecer. Não há razão para se pensar diferentemente; esta é uma convicção pessoal. No caso do Araguaia, parece que o próprio Estado tem uma defesa que se dividiu, em termos de pensamento. Pode acontecer, sim, que a Corte chegue a uma decisão diferente da adotada pelo Supremo. Este é um desafio para o nosso sistema; é a primeira vez que isto pode ocorrer na história do Judiciário brasileiro. Trata-se de um debate muito apropriado para o Século 21, em que o amadurecimento político das instituições deve ser demonstrado.

 

 

Desde quando o Brasil está sob a jurisdição da Corte Interamericana?

 

O Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como o Pacto de San José da Costa Rica, em 1992, e em 1998 reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana. Trata-se de um norte protetor para os direitos humanos nas Américas. Então, o respeito a ela, a apreciação na jurisprudência nacional desse diploma, que é central, e outros, acessórios, são fundamentais para a proteção dos direitos humanos no Brasil. Mesmo as causas relativas a outros países têm abrangência para nós. Essa jurisprudência deve ser observada porque nosso Judiciário não tem tido, os advogados também não têm tido o costume de suscitar, em ações, a jurisprudência da Corte Interamericana, quando é uma fonte de Direito fundamental.

 

 

Como funciona a Corte?

 

Não é um tribunal de massa, com milhares de processos. Recebe aproximadamente 12 a 15 por ano. Porém, esses casos, quando aceitos, devem ser modelares, servir tanto para o Estado demandado como para os demais países jurisdicionados. Inicialmente, a questão é levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, espécie de primeira instância. O grupo é integrado por representantes dos países eleitos em Assembléia-Geral da OEA, tem caráter mais diplomático. A Comissão busca mediar o acordo entre o Estado e as vítimas. Não sendo possível, passa a ter um papel similar ao de um promotor de Justiça, porque é quem aciona a Corte. Sempre há um papel significativo das ONGs que atuam no sistema e têm por função trazer, como representantes das vítimas, novos elementos ao processo. A Comissão leva o caso à Corte já sob a forma de ação.

 

 

Uma vez acionada, como delibera a Corte?

 

O processo funciona a partir da oitiva das vítimas em audiência pública e desenrola-se com apresentação de provas escritas, periciais, sustentação oral, com oportunidades tanto para o Estado demandado como para o demandante. A partir daí, depois das alegações orais das partes, à vista do conjunto de provas colhidas, se faz, ainda em audiência, as alegações finais orais. A seguir, a Comissão, o Estado e os representantes das vítimas têm 20 dias para apresentarem as alegações finais escritas. Depois, o processo vai a julgamento e marca-se a data para sentença. São sete juízes titulares, de sete nações, com mandato de seis anos. No caso do Brasil, como não há um nacional seu, fui indicado como juiz ad hoc.

 

 

Se a Corte deliberar pela condenação do Estado réu, há recurso possível?

 

A decisão é irrecorrível. Não sendo cumprida a sentença, a Corte a leva à Assembléia Geral da OEA e ali se relata que aquele país está em débito com o sistema. Isso será repetido ano a ano, enquanto a sentença não seja cumprida, e pode haver nova decisão e agravamento da pena em caso de descumprimento.


Abrir WhatsApp