03/08/2018 - 21:00

COMPARTILHE

Derivativos cambiais: Teoria da imprevisão?

03/08/2018 - 21:00

Derivativos cambiais: Teoria da imprevisão?

Derivativos cambiais: Teoria da imprevisão?

 

 

Rodrigo Lins e Silva Candido de Oliveira*

 

Em 1932, quando publicou Caso fortuito e Teoria da Imprevisão, Arnoldo Medeiros da Fonseca relatou como o mundo jurídico empenhou-se em estudar, compreender e, logo, equacionar as consequências - no Direito - das reviravoltas econômicas geradas pela Primeira Guerra Mundial.

 

A obra tornou-se clássica. A segunda edição veio em 1943, em plena Segunda Guerra, revista e atualizada, analisando o tema também sob o prisma da nova conflagração. E o autor passou a considerar, ao contrário do que fizera na primeira edição, acolhido em nosso Direito Positivo o instituto da imprevisão.

 

Os requisitos para a sua aplicação são vários, passando pela superveniência de acontecimentos imprevistos que alterem radicalmente o Estado de fato no qual se firmou o contrato, gerando, no tempo, excessiva onerosidade para uma das partes.

Menciona o autor, além das guerras mundiais, a Revolução de 1930, no Brasil, terremotos na Itália, ou alterações radicais nos custos da matéria-prima de uma indústria, envolvida em contrato de longo prazo, gerando um descompasso de mais de 300%, como circunstâncias às quais se aplica a Teoria da Imprevisão. Afinal, as consequências não correspondem, nem de longe, à intenção presumível das partes.

 

Com a evolução do mundo financeiro e a sofisticação de seus instrumentos, aliados à globalização dos mercados, surgiram contratos novos, atrelados a índices ou variações diversas de cotações em bolsas ao redor do mundo.

 

A variação cambial teve ampla repercussão no Brasil em 1999, quando a desvalorização do Real atingiu em cheio os contratos atrelados ao dólar, os quais fizeram a festa da classe média abastada, que se utilizou do leasing para comprar carros importados. Veio uma avalanche de processos na Justiça. Ali, aplicando-se inclusive a legislação de proteção ao consumidor, muitos contratos foram revistos.

 

Passaram-se quase dez anos até que, na atual crise financeira internacional, originada nas hipotecas americanas, a desvalorização cambial mais uma vez causou estragos: grandes e ricas empresas perderam fortunas - na casa dos bilhões - em instrumentos derivativos cambiais.

 

Nesses contratos, pelos quais se aposta em determinadas cotações futuras em data pre-estabelecida, a alteração cambial é o norte do negócio. Aposta-se na queda ou na elevação da moeda estrangeira, segundo as estratégias adotadas pelos interessados em obter hedge (proteção) cambial.

 

O Judiciário, depois de tantos anos examinando causas envolvendo variações cambiais, passou a conhecer melhor os meandros desse mundo financeiro (ultra) sofisticado. Por todos, vale transcrever o seguinte trecho do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 591.357-RJ: "As operações de swap com cobertura hedge representam a aplicação de determinada quantia em moeda nacional em negócio cuja rentabilidade leva em conta uma moeda estrangeira, o que evita maiores prejuízos para a empresa contratante (hedger), que possua dívidas em moeda estrangeira, ficando sujeita à oscilação da referida moeda. Seu escopo original é servir para cobertura de riscos provenientes da taxa cambial flutuante, não obstante prestar-se também para a especulação financeira, desde que se aposte na elevação da moeda estrangeira cuja variação remunera aquele investimento e inexista passivo em tal moeda".

 

Como se pode ver, o Judiciário já compreende as minúcias dessas complexas operações financeiras e aplica o direito cabível. Ora, naturalmente esses instrumentos não se confundem com os meros contratos de leasing para consumidores finais, com variação cambial, mote da enxurrada de processos na virada brusca do dólar em 1999.

 

Não há como se confundir as hipóteses. Passados dez anos, como se viu, muito foi esclarecido: seja para os players do mercado, seja para aplicadores, comerciantes ou julgadores. Quem atua no mercado de derivativos cambiais, apostando em certas e determinadas cotações, para mais ou para menos, dispõe de informações para tanto.

 

Parece, assim, que a Teoria da Imprevisão não será o melhor instrumento para embasar pedidos de revisão judicial desses contratos. Não se pode esquecer, aliás, que o novo Código Civil, de 2002, excluiu dessas operações as irregularidades inerentes ao "jogo e aposta", ressalvando, expressamente, que nelas nada há de ilegal. Confira-se o art. 816: "As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste".

 

Os chamados contratos diferenciais (em que se ganha ou perde, exatamente, pela diferença apurada no intervalo), assim, ao contrário do que dispunha a legislação anterior (art. 1.479 do Código Civil de 1916), são plenamente válidos e eficazes.

Nesse contexto, parece que as lições de Arnoldo Medeiros da Fonseca permanecem atuais, pois a Teoria da Imprevisão nada tem com essas mais que sofisticadas (e puras) apostas financeiras.

 

*Advogado


Abrir WhatsApp