03/08/2018 - 21:00

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Dyrce Drach: a pequena grande advogada dos direitos humanos completa 80 anos

03/08/2018 - 21:00

Dyrce Drach: a pequena grande advogada dos direitos humanos completa 80 anos

Dyrce Drach: a pequena grande advogada dos direitos humanos completa 80 anos

 

 

Patrícia Nolasco

 

Os olhos azuis inteligentes, a voz frágil e os cabelos lisinhos prateados compõem a estampa miúda da advogada Dyrce Drach. Pequena, mas enorme na capacidade de proteger e assistir quem precisa, ela chega aos 80 anos no dia 26 de setembro com uma legião de amigos e admiradores, a maioria conhecida nas lutas em defesa de presos políticos durante a ditadura. Outros tantos, parceiros fiéis em batalhas igualmente difíceis, de levar educação e cidadania a crianças.

 

Interessada na ideias socialistas, a carioca Dyrce passou a conviver com militantes e políticos na Juventude Comunista aos 15 anos. Da então Faculdade de Direito do Distrito Federal, no Catete, onde se formou em 1959, foi secretariar o escritor Jorge Amado. Daquele tempo, ficou a amizade com o dirigente do Partido do Comunista Brasileiro (PCB) Apolônio de Carvalho, que, em seu livro de memórias, referiu-se a ela como "a companheira dos mesmos sonhos e esperanças".

 

Já concursada, trabalhando no MEC, Dyrce mudou-se com a família para Brasília em 1960 e conheceu Darcy Ribeiro no Gabinete Civil do governo João Goulart. "Passei a ser sua secretária ad hoc", brinca ela, que até a morte do educador seria sua colaboradora em vários projetos. Outro personagem importante na vida de Dyrce foi Hermes Lima, aposentado pelo AI-5 em 1969 quando era ministro do Supremo. "Com ele aprendi a simplicidade e a humildade, a nunca ser dona da verdade", recorda.

 

Nessa fase, viu-se arrimo de família por mais de três anos. O marido, Miguel Pressburger, fundador do Instituto de Apoio Jurídico Popular, fora preso e levado para Juiz de Fora. Dyrce pegou os três filhos, fez as malas e voltou para o Rio de Janeiro, de onde o defendia. Foi trabalhar com Lino Machado Filho, advogado de presos políticos. Atendia os clientes encaminhados pelo escritório, e garantiu cobertura para aqueles sem condições de pagar.

 

Entre os muitos que defendeu estava a jornalista Miriam Leitão. Em depoimento ao Grupo Tortura Nunca Mais, que em 2008 outorgou a Dyrce a Medalha Chico Mendes de Direitos Humanos, Miriam contou que, presa aos 19 anos e solta meses depois, lembrava-se da conversa com a advogada na véspera de ser julgada. "Dyrce nos abriu a casa dela no domingo para nos tranquilizar, informar, acalmar, confortar. Não voltamos para a prisão, fui absolvida, mas eu sei como que aquela acolhedora conversa de domingo me ajudou a enfrentar aquele tribunal militar".

 

O economista José Carlos Vidal, encarcerado em São Paulo, registrou na ocasião da premiação: "Dyrce nunca cobrou um tostão por seu trabalho extenuante e perigoso. Pelo contrário, era ela quem punha dinheiro - o pouco dinheirinho que tinha - à disposição do cliente preso".

 

Quando perguntada sobre os perigos de se expor tanto, até a Lei da Anistia, em 1979, ela lembra um verso da poesia A morte de madrugada, de Vinicius de Moraes, dedicado ao poeta espanhol Garcia Lorca, executado pela extrema direita: "Hoje sei que teve medo/Mas sei que não foi covarde". E reforça: "Isso é importante, porque medo todo mundo tem, mas, se acha correto, faz assim mesmo."

 

Dyrce atuava em várias frentes ligadas aos direitos humanos, e assim integrou-se, a partir de 1975, à fundação da Comissão Pastoral da Terra, com os bispos de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hypólito, e de Caxias, dom Mauro Morelli. Durante anos, viajou pelo país, advogando conflitos de terra.

 

Outra cliente a se tornar amiga foi a pediatra Evelyn Eisenstein. Defendida por Dyrce, reencontrou-a depois do exílio, trabalhando com Darcy no governo Brizola, assistindo-o no projeto dos Cieps. "A primeira palavra para definir Dyrce é a bondade. Ela se doa nas causas, vai cuidando de todos e espalhando saber jurídico", conta.

 

Já tendo se aposentado no MEC, Dyrce foi coordenar o Centro de Defesa Dom Luciano Mendes, da Fundação São Martinho, dando amparo jurídico a crianças e adolescentes em risco social. A partir de 2007, passou a atuar na Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e no Escritório Modelo, convocada pela amiga e admiradora Margarida Pressburger, a quem conheceu na Copacabana de 1957 e que viria a tornar-se sua cunhada.

 

Hoje, Dyrce acha o saldo de tantas lutas "um pouco pífio". Para ela, "não cabe na cabeça" que 500 mil crianças continuem sem registro no país. "Vou fazer 80 anos e não tenho muito tempo, por isso queria já ter visto melhores resultados". E os motivos de maior alegria? Os amigos são um deles. "São pessoas maravilhosas que viveram comigo, sofreram, militaram. A gente pode são se encontrar muito, mas quando isso acontece há um afeto incomensuráve".  O maior de todos são os filhos Henrique, David e Adriana, e os netos. "Meu orgulho são eles, o resto eu fiz porque tinha que fazer", resume com a simplicidade de sempre.


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