03/08/2018 - 21:00

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Projeto do Novo Código Florestal

03/08/2018 - 21:00

Projeto do Novo Código Florestal

Projeto do Novo Código Florestal

 

 

O Código Ruralista

 

Paulo Petersen*

 

Para ser compreendida em todo o seu alcance, a proposta de alteração do Código Florestal, em tramitação no Congresso Nacional, deve ser contextualizada no pacto de economia política que vigora no mundo rural brasileiro. Vigente desde o governo FHC, esse pacto associa a estratégia governamental de realimentar o crescimento da economia com divisas captadas pela via da exportação de commodities agrícolas com os interesses de maximização do lucro por parte de grupos do agronegócio. É no quadro dessa aliança que um conjunto amplo de medidas legislativas vem sendo engendrado no sentido de remover "obstáculos legais" à expansão territorial das monoculturas industrializadas.

 

O foco central da proposta de mudança do Código está na desobrigação da função ambiental da propriedade rural prevista na Constituição Federal e, na esteira, a anistia dos crimes ambientais cometidos até 2008. A tese que a fundamenta parte do princípio de que florestas em propriedades privadas não podem ser consideradas bem público sujeito à regulação do Estado. 

 

Tanto nessa como nas demais medidas legislativas pró-agronegócio, a bancada ruralista se vale do desgastado artifício ideológico que antepõe conservação ambiental a desenvolvimento para justificar suas posições perante a opinião pública. Só que, desta vez, os ruralistas contaram com o inusitado apoio de Aldo Rebelo, deputado federal pelo PC do B. Frente à enxurrada de críticas que vem recebendo dos mais variados setores da sociedade civil, o comunista que se colocou do lado do latifúndio e do capital transnacional dissimula ao invocar a existência de uma suposta conspiração internacional arquitetada por ONGs que pretendem manter o país no atraso. 

 

Em uma época na qual os grandes dilemas socioambientais ocupam as manchetes, os mais elementares compromissos com a causa democrática e com a sustentabilidade são traídos em nome de uma opção de desenvolvimento que nos faz regredir ao reposicionar internacionalmente o país como exportador de produtos primários. E tudo isso a partir de uma política de aliança com o setor mais reacionário e parasitário da sociedade, cuja sobrevivência depende de pesados subsídios públicos na forma de créditos seguidos de perdões de dívidas, do uso predatório dos recursos naturais e da expropriação de enormes contingentes da população rural.

 

*Diretor-Executivo da AS-PTA e vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia

 

 

 

O Código Penal da Agricultura

 

Aldo Rebelo*

 

Para expor à Ordem dos Advogados do Brasil os fundamentos do projeto do novo Código Florestal, nada mais apropriado que lembrar a epígrafe com que emoldurei meu relatório, uma citação do enciclopedista francês Denis Diderot, extraída do romance Sobrinho de Rameau: "(...) há dois tipos de leis: umas, absolutamente equânimes e gerais, outras, estranhas, cuja sanção provém apenas da necessidade ou da cegueira das circunstâncias. Se estas cobrem de ignomínia o culpado que as infringe, a ignomínia é passageira e o tempo se encarrega de revertê-la definitivamente sobre os juízes e as nações. Hoje, quem é desonrado? Sócrates ou o magistrado que o obrigou a beber cicuta?"

 

Com tal preocupação, cuidei de apresentar um relatório para aperfeiçoamento e modernização do Código Florestal que retira da versão em vigor o caráter não só iníquo como malicioso. Digo versão porque o Código de 1965, promulgado pelo governo militar, foi mutilado nesses 45 anos por absurdas portarias, resoluções e até medidas provisórias não votadas pelo Congresso Nacional, mas aplaudidas como cláusulas pétreas por seus poucos defensores. O resultado foi desastroso: não protege o meio ambiente mas põe na ilegalidade 90% dos agricultores brasileiros, em especial os pequenos que detêm 4,3 milhões do total de 5,2 milhões de imóveis rurais.

 

 Em vez de uma lei de proteção das matas, temos um Código Penal da Agricultura. Plantar arroz na várzea dos rios, café em morros, feijão a menos de 30 metros da margem de um regato de dois metros de largura são crimes tipificados na lei florestal. As multas até superam o valor das propriedades.

 

Uma das exigências insensatas em vigor é a de que toda propriedade rural que já não tenha a reserva legal, de 20% no Sudeste e 80% na Amazônia, deve replantar a mata nativa - não importa se a terra foi desmatada pela mulher de Martim Afonso de Sousa para plantar café na capitania de São Vicente ou pelo donatário Gonçalo Coelho para semear cana na zona da mata de Pernambuco.

 

Para contornar os erros desta lei de gabinete, realizamos 64 audiências públicas em 18 estados e constatamos que o código em vigor só agrada a um certo movimento ambientalista de orientação estrangeira, do qual parte do Ministério Público é o braço jurídico. Ao Brasil interessa proteger o ambiente, mas ao mesmo tempo explorar seus recursos naturais em benefício da nação.

 

*Deputado federal (PCdoB/SP), jornalista, escritor e relator do Código Florestal


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