03/08/2018 - 21:00

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'A Justiça Eleitoral tem excedido suas funções e agido com casuísmo'

03/08/2018 - 21:00

'A Justiça Eleitoral tem excedido suas funções e agido com casuísmo'

'A Justiça Eleitoral tem excedido suas funções e agido com casuísmo'

 

Procurador-geral da OAB/RJ, Ronaldo Cramer entende que a atuação da Justiça Eleitoral tem sido no geral excessiva e, em algumas situações, casuísta. Segundo ele, por falta de uma reforma política que regule o financiamento de campanha, altere o sistema de votos, regulamente a fidelidade partidária e defina os limites da campanha na internet, entre outros itens, a instituição vem extrapolando sua função essencial - coibir abusos - e chega a interferir no processo da eleição.

 

Na entrevista que segue, Cramer revela sua preocupação com o crescente ativismo judicial e alerta para o risco de chegarmos a uma "monarquia da toga".

 

 

Marcelo Moutinho

 

Nos últimos anos, a Justiça Eleitoral tem sido chamada a se posicionar quanto a questões como a fidelidade partidária e a propaganda na internet, entre outras. Há exagero na atuação, por exemplo, do TSE?

 

Precisamos de uma ampla reforma política, que regule o financiamento de campanha, acabe com a obrigatoriedade do voto, altere o sistema de votação, regulamente a fidelidade partidária, defina os limites da campanha na internet, entre outras medidas. Enquanto a reforma não vem, a Justiça Eleitoral tem tentado preencher essas lacunas e, a meu ver, não só tem exagerado, como tem cometido o pecado do casuísmo, principalmente quando instigada pela mídia. Infelizmente, a cada eleição, as regras são modificadas por novas interpretações da Justiça Eleitoral. Esse quadro se agrava porque a Justiça Eleitoral não tem juízes próprios, isto é, os magistrados de carreira, e aqueles indicados pela presidência da República, exercem o cargo de juiz eleitoral em caráter temporário. É por isso que em algumas eleições nada é permitido, e em outras se pode pôr faixa até no Cristo Redentor. Isso não é bom para a segurança e previsibilidade do processo eleitoral.

 

 

Diante desse papel ativo, com decisões e resoluções que interferem diretamente no processo eleitoral, podemos dizer que a Justiça Eleitoral está legislando? Ou apenas cumpre suas funções?

 

A função da Justiça Eleitoral deve ser apenas de coibir abusos, jamais de interferir no processo eleitoral. Deve se limitar a coordenar o processo eleitoral e reprimir eventuais ilegalidades cometidas pelos candidatos e partidos políticos. É claro que, como coordenadora das eleições, a Justiça Eleitoral pode desempenhar função que se assemelha, guardadas as devidas proporções, à do legislador. No entanto, deve exercer esse poder de forma comedida, para não influenciar o voto. Sei que é bastante tênue o limite entre decidir alguma questão eleitoral e interferir na disputa entre os candidatos. Mas, se os juízes eleitorais refletissem sobre a repercussão de suas decisões, sobretudo como suas decisões serão exploradas pela mídia, teríamos um processo eleitoral menos tumultuado. O maior juiz do processo eleitoral é o voto, e ele não deve ser influenciado por ninguém, nem pela Justiça Eleitoral.

 

 

A mesma crítica atinge também o STF. Por que os tribunais, no Brasil, têm interferido tanto na vida social e política do país? O Legislativo não cumpre seu papel?

 

Desde a promulgação da Constituição de 1988, vem ganhando força, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que os direitos fundamentais e os princípios constitucionais devem ter prevalência sobre as demais normas. É o que se chama de pensamento pós-positivista. Ocorre que, em alguns casos, a pretexto de defender direitos fundamentais, o Judiciário tem exagerado e invadido demais o espaço de atuação dos outros poderes. Não há como negar que, em certa medida, o ativismo judicial não decorre apenas da tentação dos juízes em atuarem como políticos, mas também da omissão do Legislativo em regulamentar algumas questões, como é o caso da reforma política.

 

 

Muitos críticos defendem que o crescente ativismo do Judiciário pode enfraquecer a democracia por perturbar o equilíbrio entre os poderes do Estado. O senhor concorda?

 

Se exagerado, o pensamento pós-positivista pode permitir que todas as questões de grande repercussão política, social ou econômica sejam levadas ao Judiciário, que passa a ter a última palavra sobre todos os assuntos mais relevantes do país, em detrimento da participação dos demais poderes. Hoje, não é raro encontrar decisões judiciais, que, com base na defesa de direitos fundamentais, definem, inclusive, as políticas públicas que o governante deve tomar. Vejo com preocupação o ativismo judicial. Quanto mais o Judiciário se imiscui em assuntos próprios do Executivo e do Legislativo, mais corre o risco de se politizar, de preterir a aplicação das normas, em prol de uma vontade política própria. É o que Carl Schmitt chamava de politização da Justiça. Mas o pior prejuízo, a meu ver, é para a democracia. Os juízes, ao contrário dos políticos, não são eleitos pelo povo. Por isso, um Judiciário que decide, no lugar do Executivo e do Legislativo, todas as questões relevantes do país pode se degenerar numa ditadura de juízes, numa monarquia da toga. Os protagonistas da vida política do país devem ser aqueles que são eleitos pelo voto. O povo, por meio do voto, pode tirar do poder os maus políticos, mas não pode fazer o mesmo com os maus juízes.

 

 

E como evitar os excessos?

 

Para conter os excessos do ativismo judicial, a solução é uma ampla reforma política. Com uma representação política melhor, menos juízes sentirão vontade de agir como políticos. Além disso, é fundamental que o STF, por meio de sua jurisprudência, restrinja os limites da interferência do Judiciário nos demais poderes.


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