03/08/2018 - 21:03

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Eliana Calmon defende papel do CNJ e diz que continuará a fazer seu trabalho “doa a quem doer”

03/08/2018 - 21:03

Eliana Calmon defende papel do CNJ e diz que continuará a fazer seu trabalho “doa a quem doer”

“Vou continuar a fazer o meu trabalho. Doa a quem doer, goste quem gostar”. Assim a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, encerrou sua participação no painel sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Muito criticada por magistrados e membros do Conselho após ter dito em uma entrevista que a “Justiça sofria com bandidos de toga”, ela aproveitou a oportunidade para revelar o que a motivou a investigar a fundo a conduta dos juízes. “A primeira pergunta que me fiz foi: por que depois de seis anos está se questionando a competência e publicidade dos atos do CNJ? Ao assumir o cargo, decidi manter todos os projetos do ministro Gilson Dipp, com apenas uma mudança. Comecei a aprofundar a investigação a respeito das corregedorias de Justiça locais, cruzando informações do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal”, explicou, salientando: “A magistratura de carreira está em meu DNA. Escolher não falar sobre nada para não me indispor com as pessoas seria manter a mesma postura que muitos juízes tiveram até agora”.

Na mesma entrevista, a corregedora havia criticado a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.638, impetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e que questiona a Resolução 135, responsável por aumentar o controle do CNJ sobre processos administrativos contra magistrados. Para Eliana Calmon, limitar a atuação do conselho seria “o primeiro passo para a impunidade da magistratura”. “A ideia de que o magistrado não precisa se preocupar com as consequências daquilo que decide ficou no passado. No momento atual, com a internet e outros tantos meios de comunicação, os cidadãos começaram a questionar o que nunca foi questionado”, observou a ministra, ao criticar o pensamento que “ainda vigora no Brasil no sentido de que as decisões dos magistrados são inquestionáveis e sua atuação está além de qualquer fiscalização”.

Para Jorge Hélio, um dos representantes da OAB no CNJ, a relutância de alguns juízes e desembargadores em aceitar a existência de um órgão desse tipo é previsível. “A discussão do momento é se o CNJ é ou não um órgão de controle externo. Desnecessário dizer que as cúpulas do Judiciário não queriam o CNJ já na época em ele foi criado. Mas a Justiça precisa, sim, de controle externo”, defendeu.

Os benefícios de um órgão de controle também foram exaltados por outro representante da OAB no CNJ, Jefferson Kravchychyn: “Durante muitos anos buscamos opções para esse controle. O Judiciário é, com certeza, o poder mais fechado que temos no Brasil. Não se trata de o CNJ ser o grande redentor, mas o Conselho representa um grande avanço”.

O trabalho das corregedorias foi outra questão levantada por Eliana Calmon. Segundo ela, o papel a que dá mais ênfase como corregedora não é o disciplinar, mas o de ajudar as corregedorias a cumprirem suas atribuições. “Ao visitá-las, eu perguntava: ‘Por que os processos estão na prateleira? Eles devem ser julgados ou abrirei uma sindicância.’ Muitos não julgam, acreditando que nada vai acontecer. Eu cumpro o prometido e os juízes acabam julgando tudo na correria depois”, relatou.

A ideia agora, adiantou a ministra, é dar “musculatura” econômica e estrutural às corregedorias locais, responsáveis pela investigação de magistrados de primeiro grau. “Esses juízes são investigados. O problema maior que enfrentamos é em relação aos tribunais, que nunca deram nenhuma satisfação sobre seu trabalho. Afinal, quem investiga os desembargadores?”, questionou.

A pergunta também teve relação com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela AMB. Segundo Eliana Calmon, 54 investigações, muitas envolvendo desembargadores em denúncias graves, “estarão absolutamente inutilizadas” se o Supremo Tribunal Federal decidir que o CNJ só poderá agir se as corregedorias estaduais forem omissas ou negligentes, conforme diz a ADI.

Na visão de Jorge Hélio, a atuação de tais corregedorias deve ser concorrente à do CNJ, e não se sobrepor ao órgão. “Essa concorrência vai estimular que elas façam seu dever de casa”, resumiu.

Já Kravchychyn ponderou que somente fiscalizar o que fazem os juízes não é suficiente para garantir que a situação do Judiciário brasileiro melhore de fato. Para ele, o grande problema está no “sistema de Justiça”. “Muitos acham que os culpados são apenas os magistrados, que não gostam de trabalhar etc. Mas também temos que pensar pelo outro lado. É desumano que juízes sejam obrigados a cuidar de mil sentenças por mês e sob a pressão do cumprimento das metas”, argumentou. No entender de Kravchychyn, não adianta dobrar o número de magistrados, ou de servidores, ou mesmo o orçamento. “Temos que repensar o Judiciário como um todo. Ele está apodrecido. A mudança é cultural e tem a ver com juízes e advogados”, frisou.


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