03/08/2018 - 21:03

COMPARTILHE

Processo eletrônico: muitas dúvidas na transição

03/08/2018 - 21:03

Processo eletrônico: muitas dúvidas na transição

O processo eletrônico é uma realidade incontestável, mas, com todas as vantagens prometidas, continuará a preocupar, e muito, até seus resultados poderem ser avaliados, dentro de alguns anos. Esta foi a síntese das diversas opiniões manifestadas na mesa que reuniu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, o conselheiro Federal da OAB Guilherme Zagallo e o desembargador Luciano Rinaldi, sob a mediação do presidente da OAB/RN, Paulo Eduardo Pinheiro Teixeira. Também participaram os desembargadores André Fontes, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), e Ricardo Couto de Castro, do Tribunal de Justiça (TJ).

Rinaldi admitiu que a primeira sensação ante o processo eletrônico foi de rejeição, em razão do costume com o papel, mas afirmou que “o mais importante agora é a compreensão de que os esforços têm sido no sentido de que a transição seja a menos traumática possível”. O desembargador citou a existência de 70 milhões de processos em tramitação no país — sete milhões no estado — e a tentativa de fazer com que os julgamentos de cada um não se eternizem. Há dez anos, lembrou, não havia redes sociais, e hoje elas já estão no nosso dia a dia. O TJ terminou a digitalização na segunda instância criminal e pretende concluir até o final do próximo ano a digitalização da cível, informou. O segundo passo, “mais difícil”, segundo ele, será digitalizar a primeira instância.

As vantagens em relação ao processo físico, na expectativa manifestada por Rinaldi, serão maior celeridade processual e consequente efetividade da Justiça, e mais segurança, porque não haverá risco de perda dos processos — ao mesmo tempo, sua disponibilidade para consulta de todos, além de economia de gastos para os tribunais.

Para Zagallo, que preside a Comissão Especial de Informática e Estatísticas do Conselho Federal, o processo eletrônico talvez seja o “tema mais angustiante” para a advocacia nesse momento de transição. “Temos que nos preparar para enfrentar esta nova realidade”, disse ele, citando o esforço da Ordem na promoção da certificação digital e na orientação dos advogados para os novos procedimentos. Segundo o conselheiro, há problemas sérios a serem resolvidos o mais rapidamente possível, como a multiplicidade de sistemas adotados pelos tribunais. Sua unificação, de acordo com Zagallo, é fundamental para o advogado ante a inviabilidade de dominar cada um. “É a prioridade número um da OAB”, resumiu.

Descrente em relação aos benefícios que poderão advir do processo eletrônico, o ministro Marco Aurélio Mello provocou risos e aplausos em várias de suas manifestações críticas a respeito da Lei nº 11.419/2006, que o criou. “Continuamos a pensar que podemos consertar o Brasil com leis, quando o que precisamos é de apego às posturas exemplares”, alfinetou logo de início.

O ministro vê prejuízo, por exemplo, para o princípio constitucional de publicidade que deve reger os atos da administração pública. É que o parágrafo 6 do artigo 11º da lei prevê que “os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de Justiça”.

Marco Aurélio também mostrou dúvidas quanto à segurança da certificação digital. “Nos processos físicos, geralmente as falsidades deixam rastro; não sabemos se o processo eletrônico será seguro”, observou, frisando que, se tiver que optar entre a celeridade processual e o conteúdo, não terá dúvidas. O ministro definiu-se como um juiz à moda antiga, que não consegue sequer “ler os e-mails mais longos na telinha” e não pode “conceber o colegiado virtual” sem a presença das partes.

“Vejo com muito receio e preocupação um sistema que dificulta sobremaneira que se leiam, que se examinem cuidadosamente todas as peças, cada elemento probatório que possibilite a reflexão. Processo é isso, acima de tudo”, argumentou o ministro, assinalando que, em sua opinião, há discrepâncias entre a lei e os princípios de prestação jurisdicional previstos na Constituição. Para Marco Aurélio, somente dentro de alguns anos será possível avaliar se houve prejuízo no conteúdo das decisões proferidas no processo eletrônico. “A telinha é maravilhosa para tudo o que é descartável”, comentou.

No encerramento Marco Aurélio também foi direto ao responder a uma pergunta sobre a sua opinião acerca do poder corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), motivo de polemica recente envolvendo a ministra Eliane Calmon. "Acho a atuação do CNJ muito positiva, desde que não queira substituir as 59 corregedorias do país".

Abrir WhatsApp