07/07/2014 - 14:23

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‘Problema [com juízes] é que são, na sua maioria, muito jovens’

07/07/2014 - 14:23

‘Problema [com juízes] é que são, na sua maioria, muito jovens’

SALETE MACCALÓZ

Corregedora-geral do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a desembargadora Salete Maria Polita Maccalóz tem defendido uma “parada” no crescimento da Justiça Federal. Para ela, o grande desafio que se impõe é transformar o que já existe em melhora da prestação jurisdicional. Maccalóz acha também que, embora bem preparados tecnicamente, os juízes precisam chegar à magistratura com mais maturidade e estabilidade emocional, e para isso deveria ser estabelecida idade mínima de 35 anos para o ingresso na carreira.

PATRÍCIA NOLASCO

A senhora tem se posicionado de forma contrária à criação de mais tribunais federais. Por quê?
 
Salete Maccalóz – Não sou contrária à criação de novos tribunais regionais federais. O que proponho é uma parada no crescimento da Justiça Federal, que tem sido até então de forma vegetativa e política. A primeira se dá em razão de demanda e a segunda modalidade é mais delicada, injunções políticas na criação de varas no interior. Esta parada seria para uma avaliação técnica, considerando as ações que estão sendo propostas para se estabelecer o instrumental necessário a uma objetiva e cultural prestação jurisdicional. Assim, em primeiro lugar deve-se fixar o número mínimo de processos por juiz, levando-se em conta os aspectos ergonômicos, principalmente os limites mínimos do homem probo (do velho Código Civil de 1916), ou seja, do homem normal, primando sempre pela média entre o mínimo da máxima perfeição e o máximo da maior velocidade. Isso estabelecido, podem ser fixados os recursos auxiliares, sem esquecer a época de transição – digitalização de processos, que é diferente do processo judicial eletrônico/parcerias/treinamentos –, para se estabelecer uma secretaria para quantos magistrados e o número de servidores.

Uma análise de custo-benefício se impõe. Com todos os elementos avaliativos e fundamentadores, se a Justiça Federal tiver que crescer, será com autoridade técnica. As soluções poderão ser diversas, talvez ela tenha que “encolher”, no método: um passo atrás para dar dois à frente na eficácia, presteza e qualidade. O grande desafio que se impõe ao momento não é crescer, mas de forma inteligente e estratégica transformar o que já existe em abundância na melhor prestação jurisdicional. Pelos dados já levantados, em números de processos ajuizados nos últimos cinco anos, em todas as matérias jurídicas (especialidades), há um decréscimo da ordem de, no mínimo 10% ao ano, em todas elas e, no cômputo geral, de mais de 15% ao ano. Só esta análise e estes dados apresentam uma realidade: no primeiro grau não existe acúmulo de processos; talvez uma sistemática de trabalho sem método por parte de um ou outro magistrado/vara, nada que não se resolva com uma reestruturação.

Os setores que apresentam as reivindicações de mais varas, juízes e tribunais trabalham com argumentos e fundamentos desses 25 anos de Justiça Federal com tribunais regionais, com aquele volume imenso de feitos resultantes dos empréstimos compulsórios não honrados pelo governo Sarney, e o não pagamento da correção automática para os servidores públicos federais em maio, junho e julho de 1988. No governo Collor, tivemos o bloqueio das poupanças, obrigando 92 milhões de brasileiros a se valerem da Justiça Federal e, em seguida, desbloqueio do FGTS pela implantação do regime estatutário para todos os servidores. Mas “latejavam” nos escaninhos judiciários milhares de processos pela concessão de benefícios previdenciários, e no início dos anos 1990 transformaram-se em milhões para a correção de proventos. Quando medidas governamentais agrediram a população, a cidadania, ela encontrou na Justiça Federal a guarida de seus interesses, através de medidas saneadoras, liminares restauradoras. Claro que o número de demandas cresceu aos milhões e o clamor era por aumento e crescimento da estrutura. A análise desse período precisa ser revista, para apresentar ao povo o imenso trabalho já realizado e a qualidade deste trabalho hoje.  Estes setores deveriam pedir menos em matéria de instrumentalização para conseguir mais valorização de pessoal, melhor remuneração de juízes e servidores.

O que é preciso para o Judiciário ser menos moroso?
 
Maccalóz – A OAB, como principal interlocutora da sociedade, deve explicar a todos que os casos trazidos à Justiça são contenciosos, portanto não é nada que se resolva no primeiro dia. Cabe ao advogado não “vender” facilidades e dizer que, nas ações penais, o réu tem interesse na morosidade do processo, apostando na prescrição. Nas ações de cobrança, de um modo geral, naquelas em que o ente público é o devedor, este faz tudo para adiar o pagamento, retardando o processo, e são essas ações que mais irritam o jurisdicionado, pois quem tem a receber tem pressa.

Outro aspecto relevantíssimo é não mais colocar no mesmo enfoque os diferentes graus de jurisdição. As metas do Conselho Nacional de Justiça foram seriamente cumpridas pelos magistrados do primeiro grau, aumentando significativamente o acervo do segundo, que por sua vez também tem metas a cumprir, e todavia apresenta sérios gargalos regionais. No terceiro estão os tribunais superiores. O de competência mais abrangente quanto às matérias jurídicas é o STJ, e depois o TST. Ambos estão assoberbados. No quarto grau está o Supremo Tribunal Federal. São 11 ministros que julgam em média 80 mil processos por ano. Todavia a pauta do Pleno tem mais de 800 processos aguardando julgamento com os votos de relator e revisor prontos.  Estes ainda não julgados são responsáveis por mais de dois milhões de ações suspensas em todas as instâncias, entre elas a de maior repercussão, pois interessa a 92 milhões de brasileiros, a da correção monetária dos saldos de caderneta de poupança. Respondendo objetivamente, precisamos de um método de trabalho que agilize o funcionamento dos tribunais, ressalvadas as exceções.

Na sua opinião, a formação profissional dos juízes é adequada?
Maccalóz – Os juízes brasileiros preparam-se tecnicamente bem para o exercício da carreira. O problema é que são, na maioria, muito jovens. A tecnicidade dessa formação tem um sério desvio, é majoritariamente pautada na jurisprudência e isto é causa de baixa abstratividade e raciocínio jurídico. A doutrina e os fundamentos são a principal base da cultura jurídica, mesmo para as respostas mais objetivas e rápidas. Em 2000 publiquei o livro O Poder Judiciário, os meios de comunicação e opinião pública, em que um capítulo trata dessa questão.

O exercício da magistratura precisa necessariamente de maturidade e estabilidade emocional. É uma pena que a idade de 35 anos seja o patamar mínimo para desembargador e ministro, quando deveria ser também para os juízes. Hoje, depois de uma longa campanha da qual participei, quando ainda advogada, a OAB exige, para indicar um de seus associados ao quinto constitucional, a comprovação de dez anos de efetivo exercício da advocacia.  Com esta exigência, nenhum advogado chega aos tribunais com menos de 35 anos, experiência profissional, maturidade e afetividade postas.

Há outro aspecto, difícil de ser abordado: o profissional que chega à magistratura com dez anos de exercício, advogado ou servidor público, já tem alguma estabilidade econômica, por menor que seja. O subsídio de juiz não será o seu primeiro “salário”. Como o jovem de primeiro emprego ainda não tem nada, precisa adquirir tudo, casa, carro, móveis roupas etc., no início da carreira. Esse é um desvio de atenção e pior, logo faz o subsídio ser pouco ou pequeno diante de tantas necessidades.

Para mim, existe uma solução simples: aumentar para cinco anos a exigência de efetivo exercício da advocacia para todos os candidatos à magistratura, Ministério Público, procuradoria, advocacia da União.  Como os servidores públicos não podem advogar, esse requisito para eles não vale, assim o seu tempo pode ser dobrado, dez anos de exercício contínuo de estatutário. Voltando ao advogado, entre concluir a graduação, mais ou menos aos 25 anos de idade, e o início da advocacia, assinando com exclusividade as petições e a realização dos concursos, em maioria os jovens assumirão a magistratura com mais de 30 anos, mais experientes, maduros e seguros.

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