09/02/2015 - 15:00

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Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho: ‘Temos vagas, o que nã o temos é orçamento’

09/02/2015 - 15:00

Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho: ‘Temos vagas, o que nã o temos é orçamento’

Ao assumir a presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no biênio que se inicia, o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho afirma que a situação do Judiciário é difícil, com problemas orçamentários, de estrutura e de recursos humanos, falta de juízes e de servidores para dar andamento a milhões de processos. Em entrevista à TRIBUNA, ele diz que pretende estabelecer diálogo imediato com o Executivo e o Legislativo nesse momento de crise econômica, e, para reduzir o número de demandas, apoiar as alternativas extrajudiciais de resolução de conflitos. Os juizados especiais são motivo de maior preocupação. Já assoberbados, receberão todos os processos na área de Direito do Consumidor hoje em tramitação nas varas cíveis, como prevê o novo Código de Processo Civil.

PATRÍCIA NOLASCO


No documento que registrou suas propostas para conduzir o Tribunal de Justiça, o senhor destacou, como primeiro entre os 30 pontos de compromisso, a valorização do Judiciário e da magistratura de 1º e 2º graus. Quais as medidas efetivas a serem tomadas?

Luiz Fernando Carvalho
– Tanto a magistratura de primeira instância quanto os servidores se encontram com a autoestima muito abalada. Temos instalações inadequadas, demanda de processos gigantesca, falta de condições de trabalho de modo geral. A presidente Leila Mariano teve que transferir grande número de varas para a Praça Onze, por causa de instalações elétrica e hidráulica de 50 anos atrás no prédio do Fórum, onde circulam até 80 mil pessoas por dia. Tudo isso cria um conjunto de adversidades. Por mais que trabalhem, juízes e servidores nunca conseguem vencer a demanda. Já a segunda instância está razoavelmente instalada e equipada. Por isso, as medidas de valorização vão se dar na primeira. O prazo contratual das obras no TJ é de 30 meses, vai superar o mandato. Vamos fazer todo o esforço para que seja cumprido. 

Temos situações extremamente difíceis. Nosso servidor está recebendo muito menos, por exemplo, do que o da Justiça Federal. Como manter o pessoal mais qualificado se você tem, também, esse problema de remuneração? Vamos procurar, no menor espaço de tempo, dotar esses recursos. Não é segredo que o estado e a União se encontram em situação econômica difícil. Além da corrupção, dos mensalões e petrolões, existem outros problemas. A União não tem repassado os royalties do petróleo regularmente, e a arrecadação do ICMS caiu pela metade. O cenário não é favorável. Isso não significa cruzar os braços. Vamos procurar entendimento com os poderes Executivo e Legislativo, mostrar que essa defasagem prejudica o cidadão, porque temos evasão da mão de obra qualificada. Queremos mostrar que isso também atinge o cidadão, que já está sendo atingido na inflação, na corrupção. Então, ele precisa encontrar na Justiça, na qual vai buscar seus direitos, um servidor qualificado para que resulte um serviço melhor prestado.

A melhoria dos serviços da primeira instância, sempre reivindicada pelos que militam no Fórum, é o 17º ponto listado entre os compromissos assumidos pelo senhor, enquanto a revisão da estrutura das assessorias dos desembargadores figura no 8º lugar da lista.  É uma ordem de prioridades? 

Luiz Fernando Carvalho
– De maneira alguma. A primeira instância está em primeiro lugar, quando falamos em valorização. Cada um desses itens consideramos muito importante. Vamos procurar cumprir tudo o que for possível. No momento, a segunda instância se encontra melhor aparelhada que a primeira, mais necessitada. Esta é, inclusive, a vitrine do Judiciário. Temos que lutar para vencer essa situação caótica.

Quais serão as ações para melhorar o funcionamento dos juizados especiais cíveis (JECs)?

Luiz Fernando Carvalho –
Os juizados, num paradoxo, foram vítimas do próprio sucesso. Começaram bem, e houve tanta procura que superou a estrutura. Temos que recuperá-los, resgatá-los, inclusive porque, com o novo Código de Processo Civil que entrará em vigor um ano após ser sancionado e publicado, a matéria do Direito do Consumidor vai passar para a competência absoluta dos JECs. Eles vão receber uma demanda de processos monumental, transferidos das varas cíveis. Essa área responde, hoje, por 70% das varas e 80% dos juizados . 

Nós pretendemos, usando uma imagem meio humorística, fazer como o esquartejador, resolver por partes. Há situações que, dentro da crise, são mais prioritárias do que outras. A da primeira instância é uma delas. Evidentemente, teremos uma postura de Poder Judiciário que responda ao seu papel constitucional de autonomia e independência, o que não quer dizer com arrogância. Com respeito, sim, mas exigindo a mesma contrapartida e o mesmo tratamento dos outros poderes. O Judiciário trata de questão tão sensível quanto a de direitos, e o cidadão está cada vez mais atento a eles. Tínhamos, em 1988, ano da promulgação da Constituição, 350 mil processos em andamento no Brasil. Hoje, ainda não completados 27 anos, temos cem milhões de processos. Alguém de bom senso poderia dizer que o número de juízes e servidores aumentou na mesma proporção? Não quero dizer que o Judiciário não tenha defeitos, mazelas. Estou dizendo que há problemas endêmicos, precisamos enfrentá-los para conseguir sair do fosso. Por exemplo, utilizando mediação, conciliação e arbitragem, métodos extrajudiciais de composição. 

Para essa demanda muito maior dos JECs, vamos procurar nos preparar nesse período de um ano procurando fazer concursos para servidores e para juízes, porque temos vagas, o que não temos é orçamento. E este é um problema para ser resolvido com os outros poderes. É preciso ser votado pelo Legislativo e sancionado pelo Executivo. Não posso solucionar sem alocar recursos, materiais e de pessoal.
O Judiciário vai seguir o caminho de diminuir o número de processos. O Rio de Janeiro tem 9,5 milhões de ações, o que é um absurdo. Sabe quantos juízes temos? Cerca de 800. E temos que racionalizar nosso trabalho, utilizar meios alternativos de resolução de conflitos, dar melhor rendimento para as ações coletivas, que podem conter até cem mil cidadãos. Cortar demanda sem deixar de sustentar direitos. A autonomia do Judiciário é que vai permitir o atendimento às situações de proteção dos direitos fundamentais. 
 
Ainda entre as propostas, o senhor menciona o estabelecimento de canais de comunicação e diálogo com a sociedade civil. No documento, a advocacia não foi mencionada. Como será o diálogo com a OAB/RJ?  

Luiz Fernando Carvalho
– Fui advogado militante durante 11 anos, defensor público por cinco anos e tenho consciência muito nítida da importância da função social do advogado, embora a massificação das faculdades de Direito tenha dificultado isso. Pretendo ter o melhor diálogo com a OAB, reconheço que a entidade tem um papel de grande importância, principalmente na história recente do país. Cito como exemplo o impeachment do presidente Fernando Collor, quando o ministro Evandro Lins e Silva, como advogado, e o jornalista Barbosa Lima Sobrinho assinaram a petição inicial, reconhecendo-se que a advocacia e a imprensa eram, naquele momento, condutores da cidadania. Pretendo procurar a OAB e ter o melhor contato com os advogados. Acredito que isto seja importante não só para a magistratura e a advocacia, mas para o cidadão comum, porque um é o agente postulador de direitos e o juiz é quem vai garanti-los. Os dois exercem funções que podemos considerar siamesas. Tudo o que estiver ao alcance da presidência para melhorar o diálogo entre advogados e juízes será feito.

Com relação à Corregedoria Geral do TJ, o senhor disse que vai restaurar a autonomia do órgão. O que deve mudar para melhorar?

Luiz Fernando Carvalho
– Anos atrás, algumas atribuições da Corregedoria foram esvaziadas, e eu pretendo, evidentemente ouvindo antes o Órgão Especial, devolver esses poderes porque, assim como naquele momento anterior houve a concentração na presidência, acho salutar, agora, promover uma desconcentração desse poder e devolvê-lo ao seu real titular, que é a Corregedoria. Hoje, o órgão não tem nenhuma parcela de verba prevista para realizar seus fins, por exemplo. Se o corregedor quiser fazer uma viagem de fiscalização ao interior, precisa pedir verba à presidência.

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