Repercutiu na imprensa o mandado de segurança impetrado perante o Supremo Tribunal Federal pela deputada federal Natália Bonavides contra o bloqueio do seu acesso à conta do presidente da República no Twitter. O parecer do procurador-geral da República foi contrário ao conhecimento da ação mandamental, considerando-se tratar de conta pessoal do presidente da República, que diria respeito, em consequência, à sua privacidade. Daí o direito de bloquear quem bem entender à sua rede social. 

Nessa linha, argumentou-se ainda que as publicações veiculadas em mídia social não constituem ato administrativo praticado pela autoridade no exercício de atribuições do Poder Público. Independentemente da discussão processual e de Direito Administrativo suscitada pela notícia, o tema mostra-se instigante do ponto de vista do Direito Civil, associado a antigo debate acerca dos espaços de privacidade do homem público.  

Tradicionalmente, identificavam-se dois modelos díspares: o europeu continental, tendente a resguardar a vida privada do político; e o dos países da common law, que desconhece inteiramente a privacidade de quem exerce função pública. Bastaria lembrar o respeito absoluto da imprensa com o presidente francês François Miterrand, cujo nome se eterniza em avenidas e na monumental Biblioteca de Paris, a despeito de sua vida extraconjugal por mais de 30 anos com Anne Pingeot, mãe de sua filha Mazarine, fato que nunca interferiu em seu prestígio político. Já o italiano Enrico Berlinguer, um dos principais líderes do eurocomunismo do Século 20, graduou suas filhas em escola privada católica romana, sendo esta questão igualmente considerada de foro íntimo, que jamais afetou a sua credibilidade eleitoral. Em contraposição, na Inglaterra, a vida íntima da família real é devassada a cada dia, assim como, nos Estados Unidos, a vida conjugal de John Kenedy, e de tantos presidentes da República, foi inteiramente bisbilhotada, sendo pauta constante dos cotidianos e da imprensa marrom de todo o mundo.

No caso brasileiro, tanto a privacidade quanto a liberdade de expressão são valores protegidos constitucionalmente e é preciso, portanto, estabelecer critérios que permitam separar os espaços público e privado. O saudoso professor Stefano Rodotà, há mais de 50 anos, muito antes do espaço virtual, sustentava, com razão, ser a própria vida do homem público, suas convicções, seu programa político e seu ideário, a determinarem, em concreto, as fronteiras da informação sobre ele disseminada – o direito de resguardá-la ou o dever de informar. 

No mundo da tecnologia, torna-se ainda mais difícil distinguir o público do privado, já que as redes privadas constituem fonte de constante exposição pessoal de seu usuário. Entretanto, a rede social utilizada pelo político como canal de propaganda e comunicação com o eleitorado deixa de ser espaço privado, há de ser franqueada a todo e qualquer eleitor. Vale dizer, a autoridade pública tem o direito de restringir o acesso de sua rede social ao núcleo de pessoas de sua preferência ou conveniência. Todavia, na medida em que sua rede social é aberta, sendo veículo de comunicação com os eleitores, aquele espaço torna-se público, alvo de atenção por parte da sociedade. 

Não se trata de perquirir a natureza da publicação, que evidentemente escapa à esfera dos atos oficiais da administração pública. As publicações postadas na praça dos comícios virtuais, utilizada como foro de comunicação com o eleitorado, asseguram conhecimento à agenda política que, no caso do presidente da República, alcança as políticas de governo. Nessa perspectiva, o bloqueio a determinado eleitor, especialmente em se tratando de parlamentar eleito pelo voto popular, torna-se discriminatório, e foge à esfera de discricionariedade privada do homem público. 

Para além da discussão específica, que talvez possa ser superada pelo simples acesso às informações, por parte do eleitor bloqueado, através de outra conta desbloqueada, a polêmica se mostra inquietante pela compreensão equivocada do direito à privacidade. Afinal, as garantias fundamentais da privacidade e da intimidade devem ser instrumento de tutela existencial da pessoa humana – seja agente público ou privado –, não se ajustando ao paradigma da propriedade, em que o seu titular, à moda de um vizinho rancoroso, possa criar barreiras de informação seletiva, a serviço de idiossincrasias e privilégios que respondam, unicamente, à vontade do dono. 

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