Quando eu já imaginava que o processo de desconstrução do Direito do Trabalho que conhecemos havia chegado ao fim, surge a Medida Provisória nº 905/2019, que altera, em seus artigos 28 e 47, substancialmente, a sistemática da contagem dos juros de mora e da correção monetária dos débitos trabalhistas.

O artigo 28 modifica o §7º do art. 879 da CLT e estabelece que:

“A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela variação do IPCA-E, ou por índice que venha a substituí-lo, calculado pelo IBGE, que deverá ser aplicado de forma uniforme por todo prazo decorrido entre a condenação e o cumprimento da sentença.”

Altera também o artigo 883 da CLT, que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora de bens, tanto quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora equivalentes aos aplicados à caderneta de poupança, sendo estes, em qualquer caso devidos somente a partir da data em que for aplicada a reclamação inicial.”

Por sua vez, o artigo 47 da MP 905/2019 altera o art. 39 da Lei 8177/91, que passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 39 – Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador ou pelo empregado, nos termos previstos em lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa ou cláusula contratual, sofrerão juros de mora equivalentes ao índice aplicado à caderneta de poupança, no período compreendido entre o mês subsequente ao vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.

§1º - Os débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes de acordos celebrados em ação trabalhista não pagos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação serão acrescidos de juros de mora equivalentes ao índice aplicado à caderneta de poupança, a partir da data do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou termo de conciliação.”

Considerando que o rendimento da poupança, seguramente, constitui a pior aplicação do mercado financeiro nos últimos anos, o novo método de apuração de juros e correção monetária dos débitos trabalhistas pode ser um convite ao calote para os maus empregadores.

O velho jargão “busque seus direitos na Justiça do Trabalho”, muito dito entre as paredes das fábricas e dos estabelecimentos comerciais na vigência do Decreto Lei 75/66, quando os débitos trabalhistas eram atualizados, apenas trimestralmente, por índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, acrescidos de juros de 0,5% ao mês contados do ajuizamento da reclamação, voltará a ser ouvido pelos empregados.

Época em que a reclamação trabalhista, com o consequente aviltamento do crédito do trabalhador, era um "bom negócio" para alguns empregadores insensíveis às necessidades dos empregados.

Temo que essa prática odiosa venha a se alastrar novamente no ambiente de trabalho, agravada, nesta hora, pelas restrições de acesso à Justiça do Trabalho impostas pela Lei 13467/2017, com a adoção de medidas protelatórias e ofensa ao princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII).

A nova sistemática para correção dos débitos trabalhistas constitui inegável retrocesso quando comparada à legislação até então em vigor, que consistia na aplicação do índice acumulado do IPCA-E, acrescido de juros de 1% ao mês.

Os juros da poupança dificilmente ultrapassam o percentual de 0,3% ao mês, limitados de qualquer sorte e legalmente ao máximo de 0,5%.

A finalidade de apoucar o crédito do trabalhador reconhecido pela Justiça do Trabalho - após devido e longo processo legal, assegurada ao empregador a ampla defesa - está expressa sem melindre na Exposição de Motivos da MP 905/2019:

“Com o reajuste dos débitos trabalhistas, tem-se que o incremento do passivo das empresas estatais é insustentável.  A vigência da alteração em tela, em torno de uma proposta que de fato leve em consideração o poder de compra do trabalhador sem distorcer o custo do dinheiro ao longo do tempo, se mostrou ainda mais urgente a partir da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de redução da Selic para 5% ao ano.  Com respeito ao reajuste dos débitos trabalhistas, altera-se o atual entendimento que vincula o IPCA-E acrescido de 12% a.a.

Considerando-se apenas as empresas estatais, dados do Departamento de Pessoal e Previdência Complementar da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) do Ministério da Economia evidenciam um passivo trabalhista de R$ 58,8 bilhões em 2018.  Considerando-se um prazo médio de julgamento de 5 anos, o atual índice de reajuste atual mais do que dobrará esse valor para R$ 124,4 bilhões.  Com o reajuste proposto envolvendo IPCA-E + poupança, estima-se a redução no passivo das estatais de R$ 64,6 bilhões para R$ 26,9 bilhões.  Logo, a economia para as empresas seria de R$ 37,7 bilhões.”

Lógica perversa que dispensa outros comentários, sabido o seu inequívoco e manifesto propósito de baratear o crédito do empregado confirmado pela Justiça do Trabalho.

E é por essa razão mesma que as alterações determinadas pela MP 904/19, no método de correção dos débitos trabalhistas, nos traz mais desassossego do que segurança, uma vez que, entre inúmeras controvérsias sobre a sua aplicação e regulamentação, podemos destacar: 

(a)       o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que é inconstitucional a aplicação do índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos precatórios “na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão” (STF/Pleno, ADI 4357/DF.  Rel. Min. Luiz Fux.  DJE 26.09.2014);

(b)      tem duvidosa constitucionalidade, por afronta aos princípios da isonomia e razoabilidade ao tempo em que institui desigual tratamento aos débitos trabalhistas quando comparados com os créditos civis/tributários ao promover a aplicação de um indexador de juros de mora inferior àquele adotado a favor da Fazenda, que é de 1% ao mês (art. 161, § 1º do C.T.U.).

É preciso que tais questões sejam rapidamente dirimidas, restabelecendo a segurança jurídica, que deve ser assegurada às partes nas ações judiciais.

E para não falar que não falei de flores, nesses dias que se apresentam tão trabalhosos, me resta desejar um Feliz Natal a todos os advogados e aos seus familiares na esperança de que tempos melhores virão.

Encerrava essa coluna quando recebo a notícia avassaladora do falecimento de Eduardo Seabra Fagundes.

Advogado íntegro que sempre combateu o bom combate, sob a sua Presidência no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil foi constituída a Comissão Permanente de Direitos Humanos.

Contra Eduardo Seabra Fagundes foi endereçada a carta-bomba, que vitimou covardemente a secretária da OAB, Dona Lyda Monteiro.  À época, a instituição sob o seu comando denunciava a prisão de presos políticos, o desaparecimento e torturas dos perseguidos pelo regime militar.

Na presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), tive a graça de homenageá-lo com a Medalha Teixeira de Freitas, maior honraria da Instituição.

O mundo jurídico empobrece com o falecimento de Eduardo Seabra Fagundes.

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