“Mais alto o coqueiro,
Maior é o tombo do coco
Afinal, todo mundo é igual
Quando a vida termina
Com terra em cima e na horizontal”
Billy Blanco

 Aqueles que são jovens há mais tempo certamente ainda guardam na lembrança os versos de Billy Blanco, consagrados pela voz de Elis Regina, que à época pareciam de uma obviedade incômoda. Indignos mesmo da expressão do poeta e da importância da intérprete. 

A música de Billy Blanco, “A banca do distinto”, curiosamente me vem à memória quando tenho que enfrentar o artigo 223-A e seguintes da CLT, que estabelecem parâmetros para a fixação do valor da indenização por danos extrapatrimoniais. 

A lei está em vigor nos exatos termos em que foi promulgada pelo Parlamento, em julho de 2017 (Lei 13.467/2107). Certa ou errada, justa ou injusta, o correto é que a lei está em vigor e deve ser aplicada. Todavia, em casos específicos, penso que deve ser sopesada se sua aplicação fria não afronta o princípio maior e constitucional da isonomia. Refiro-me em especial à fixação da indenização por dano moral decorrente da mesma ofensa ou do mesmo acidente, mas que afeta vários trabalhadores que ocupam cargos distintos e recebem salários diferentes ma empresa. 

Sempre me indago sobre a razão pela qual o auxiliar de pedreiro deve receber uma indenização menor do que aquela paga ao pedreiro, se ambos foram vítimas do mesmo acidente. Por que o médico deve receber uma indenização maior do que aquela devida à enfermeira se os dois sofreram o mesmo acidente, no mesmo instante e na mesma sala de cirurgia? 

Penso no art. 5º da Constituição Federal, caput, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e me pergunto se o legislador, ao cristalizar tal desigualdade baseado no status social do empregado ofendido, caminhou no sentido de atender aos objetivos fundamentais da República nos quais se insere “o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV) 

O princípio da isonomia, também chamado de princípio da igualdade ou da não-discriminação – pilar de sustentação do Estado democrático de Direito –, consiste, no seu aspecto formal, em que é defeso ao legislador criar ou afirmar em lei desigualdades vivenciadas numa sociedade que teimosamente insiste em ser desigual e injusta. 

A lei não deve estimular privilégios e tampouco distinções desproporcionais. 

Todavia, é exatamente isso que se verifica da atual redação do artigo 223 – A da CLT, que, ao tarifar a indenização por dano moral decorrente da relação de emprego, autorizou, permitam-me, uma odiosa discriminação entre trabalhadores, que agora deverão ser indenizados de acordo com sua respectiva faixa salarial, mesmo que a ofensa decorra do mesmo fato e atinja uma coletividade de trabalhadores. 

Basta ter o exemplo de uma empresa que proíbe suas empregadas de utilizarem o banheiro durante o expediente. O fato é único; a ordem é única e ofende indistintamente todas as mulheres, mas a reparação do dano sofrido será diferente apenas porque os salários pagos às empregadas são desiguais. Assim, nesse exemplo, a gerente do setor poderá receber uma indenização dez vezes superior a devida à faxineira responsável pela limpeza do mesmo setor, a rigor, apenas em razão da remuneração paga a cada trabalhadora. 

Esse fato, por si só, agrava o sofrimento da trabalhadora mais humilde, de menor remuneração na hierarquia funcional da empresa porque, embora parceira na dor, a sua reparação será desigual quando comparada com as demais empregadas igualmente ofendidas. 

Já é tempo de desconstruir, então, a parte da chamada Reforma Trabalhista de 2017 que vincula o valor da indenização por dano moral, inclusive aquela decorrente de acidente de trabalho (dano à integridade física e à saúde do trabalhador) ao valor do salário contratual pago ao empregado. 

A honra, a autoestima, a intimidade, a vida, não devem e não podem ser valoradas pelo salário contratual do ofendido. 

Viola o princípio da isonomia a simples consideração de se autorizar o pagamento de indenizações com valores distintos, decorrentes do mesmo evento danoso, pelo simples motivo de que os ofendidos recebem salários distintos. 

Não se desconhece, e cabem aqui uns parênteses, ações em que a Justiça do Trabalho fez sentir o peso da sua mão com condenações ao pagamento de indenizações por danos extrapatrimoniais em elevadas cifras, sopesando, entretanto e quase sempre, o poder econômico do empregador ofensor, a gravidade da ofensa e sua (por vezes) teimosa reincidência.  Esse movimento da Justiça do Trabalho como consequência também fez surgirem nas empresas os setores de ouvidorias, regras de compliance e de valoração da estima e honra do empregado. 

Não se desconhece igualmente que o Tribunal Superior do Trabalho, bem assim os tribunais regionais, corrigiram os excessos porventura praticados. 

Absolutamente desnecessária, então, a cristalização da desigualdade experimentada pelos empregados que, embora recebam salários distintos em razão de suas atribuições, são vítimas de acidentes decorrentes das condições de trabalho verificadas no ambiente da empresa, sobretudo quando o mesmo ato afeta uma coletividade de trabalhadores indistintamente. 

Indigno, e ofende a moral de uma nação, a mera possibilidade de se indenizar com valores desiguais, p.e, o pranto de mães que perderam seus filhos no mesmo e único acidente que tenha abatido uma dezena de empregados no interior de uma mina de carvão. 

Afinal, o pranto de uma família que perdeu o filho no acidente de trabalho, o sofrimento experimentado por pais e filhos, a dor sentida em razão dessa morte, não podem ser medidos pelo valor desigual do salário recebido em vida. 

Sonhos se transformam em pó. 

Esperanças em cinzas. 

A intensidade da dor das famílias enlutadas é a mesma. 

Todos, nessa hora, são iguais, independentemente de raça, credo, idade e, principalmente, do chamado “status social”. 

Se a morte por acidente de trabalho, intrinsecamente, já constitui um pecado, torna-se uma afronta maior permitir-se o pagamento de indenizações diferentes pela dor do luto provocada pelo mesmo incidente fatal. 

Essa ignomínia, autêntica infâmia, deve cessar urgentemente; "afinal, todo mundo é igual quando a vida termina...".

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