Provoca-me forte desconforto a nova redação do artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme Lei 13.467/2017.

O legislador ordinário, com certeza, pesou a mão ao permitir que o princípio da isonomia, que em síntese consiste na regra segundo a qual a todo trabalho de igual valor deve corresponder igual salário (art. 5º da CLT), venha a ser fraturado por meio de norma regulamentar interna editada pelo empregador de maneira unilateral.

O desconforto é maior quando percebo que leitura ligeira da nova lei transmite a (falsa) impressão de que basta ao empregador editar um simples plano de cargos e salários com, por exemplo, previsão de remuneração distinta para as diversas funções desenvolvidas na empresa,  para se livrar do risco da equiparação salarial.

Aliás, e verdade seja dita, as restrições impostas pelo legislador à reclamação de equiparação salarial com a nova redação do artigo 461 e parágrafos da CLT são de tal grandeza, que transformaram o princípio contido no artigo 5o da CLT em um autêntico sofisma.

E certamente nessa linha é que vieram os §§2º e 3º do art. 461 da CLT:

“Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.

§ 1º omissis

§2º Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público.

§3º No caso do §2º deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.”

Todavia, na condição de excludente da equiparação salarial, o quadro de carreira deve assegurar ao trabalhador – de forma impessoal, registre-se – no mínimo critérios objetivos de promoção na estrutura de cargos da empresa e, igualmente, de acesso aos diferentes níveis salariais estabelecidos pelo empregador.

O quadro de carreira, que de fato autoriza o pagamento de salários distintos para retribuir trabalho de igual valor - daí o incômodo que provoca -,  só se justifica na configuração de norma benéfica, que se incorpora ao contrato individual do trabalho por adesão tácita ou expressa do empregado, uma vez que evita a estagnação do trabalhador, oportunizando-lhe incentivos, inclusive de ganhos salariais, e, de outro lado, serve de importante instrumento de fixação da mão de obra qualificada na empresa. 

Não por outra razão, para elidir o princípio da igualdade salarial, os §§2º e 3º do art. 461 da CLT, revogados pela Lei 13.467/2017, exigiam que as promoções deveriam ser feitas alternadamente por merecimento e por antiguidade, dentro de cada categoria profissional.

Por esses motivos aqui sintetizados, é que se permitiu a quebra da isonomia quando o empregador mantém os seus empregados organizados em quadro de carreira.

Por seu turno, a exigência da homologação do quadro de carreira pelo Ministério do Trabalho, prevista na Súmula 06 do TST, para efeito de elidir a regra contida no artigo 461 da CLT, tem inspiração na alínea (b) do artigo 358 da mesma CLT, que não sofreu qualquer alteração pela Reforma Trabalhista.

A propósito, nem mesmo a redação do §2º do artigo 8o da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017, provocou o cancelamento do item I da Súmula 06 do TST, o que deve servir pelo menos como um sinal de alerta para o intérprete da nova reforma.

O desconforto mencionado acima - à vista disso e também do fato de que norma regulamentar interna, editada de modo unilateral, sem a chancela do órgão estatal - decorre do fato de que a reforma provoque a ilusão de ter sido assegurado ao empregador a possibilidade do pagamento de salários distintos a empregados que executem as mesmas funções pela simples existência do quadro de carreira, instrumento que, de acordo com a nova redação dos §§2º e 3º do art. 461 da CLT, pode prever, digamos, apenas promoções por merecimento, de livre arbítrio do empregador, respaldadas por  forte elemento de subjetividade.  Um quadro de carreira desprovido de regras relativas à periodicidade, avaliações objetivas, avaliadores isentos, avaliações impessoais, regras de acesso etc.

Não me parece um bom caminho.

A exigência da homologação do quadro de carreira, embora componente de fomento da burocracia estatal, trazia segurança jurídica para o empregador, pressupondo que, em princípio, o documento não continha regras impróprias ou afrontosas ao ordenamento jurídico.

O afastamento do órgão estatal e a falta da homologação certamente atrairão a intervenção da Justiça do Trabalho - e com ela, a insegurança jurídica - para anular regras abusivas porventura contidas no quadro de carreira editado de maneira unilateral pelo empregador, que muito possivelmente não servirá de óbice à equiparação salarial. 

É preciso cuidado, então, porque nem tudo é o que parece ser.

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