A Lei 13.467/17 provocou a maior reforma na legislação trabalhista brasileira desde a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. Busca-se, com ela, alterar a própria forma de interpretação e aplicação da norma trabalhista, o que não me parece tarefa fácil nem possível, pelo menos enquanto vigorar a atual Carta Magna. Sem dúvida, é necessário analisar como a CLT, de 1º de maio de 1943, insere-se no país da Constituição de 1988.

Derivada de um período de lutas pela democratização, em um Brasil recém-saído de longevo regime militar de mais de 20 anos e de um processo de mobilização popular sem paralelo na história do país, nasce a Carta de 1988. Nela, observa-se a inserção de direitos trabalhistas e sociais, na qualidade de direitos fundamentais, de forma sem precedentes nas constituições anteriores, como consequência, inclusive, de forte pressão das centrais sindicais.

Assim, eleva-se para o patamar do Direito Constitucional a garantia da irredutibilidade do salário, do décimo-terceiro salário com base na remuneração integral, da participação nos lucros ou resultados, da proteção em face da automação, da proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, do reconhecimento das convenções acordos coletivos, entre muitos outros direitos considerados fundamentais para a atuação laboral digna.

A Constituição de 1988 trouxe a proibição da intervenção do Estado na fundação e administração do sindicato, atribuindo a esse a defesa dos direitos e interesses da categoria, e tornando, agora por força de norma constitucional, obrigatória a participação do ente sindical nas negociações coletivas.

Todavia, o legislador constituinte não conseguiu acabar com a unicidade sindical por categoria consolidada no inc. II do art.8° da CF, proibindo a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial.

Esse tema é extremamente delicado, pois ao mesmo tempo em que se mantêm as antigas estruturas de domínio dos sindicatos, assegura-se ampla liberdade de filiação.

Dessa forma, a nova Carta institui dois princípios constitucionais certamente conflitantes. De um lado, a ampla autonomia, “vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical” capturada, todavia, pelo regime da unicidade por categoria e pela representação obrigatória, e, de outro lado, a liberdade associativa individual.

Por fim, o art. 114, que estabelece a competência dos tribunais do trabalho.

Esses artigos são considerados o núcleo duro do trabalhismo constitucional.

O que antes estava previsto apenas na Consolidação das Leis do Trabalho passa a ter lastro na Constituição Federal.

Acresce que, de acordo com o artigo 1º, incisos iii e iv da Carta Magna, “a República Federativa do Brasil (...) constitui-se em estado democrático de direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

Não podemos olvidar, ainda, os princípios da legalidade, isonomia, razoabilidade, proporcionalidade e do não retrocesso, que no seu conjunto representam os pilares do Estado democrático de Direito.

São esses os princípios fundamentais a serem perseguidos pela República. Constituir uma sociedade justa e igualitária e garantir o desenvolvimento nacional são fatores a serem perseguidos pelas políticas públicas.

Assim, atribuiu-se à Constituição o valor futuro, vedando o que se conhece como retrocesso social e ratificando, por forçosa consequência, o princípio da proteção. Subjuga-se o legislador ordinário à sua letra e confere-se à sociedade mecanismos no sistema de Justiça para reivindicar a sua aplicabilidade.

Já se pode perceber, então, a dificuldade que se tem para aplicar a Reforma Trabalhista, sem afrontar esses princípios constitucionais.

Não acredito que a aplicação da nova redação do disposto no parágrafo 1º do art. 8º autorize, na forma fria da lei, a aplicação do direito comum como fonte subsidiária, ainda que contrarie princípios fundamentais do Direito do Trabalho, atualmente previstos na própria Constituição Federal.

Os princípios fundamentais do direito do trabalho são aqueles que constituem o próprio fundamento da república, que são o do valor social do trabalho, da dignidade da pessoa humana, do não retrocesso, da proteção e da isonomia.

Permitam-me, mas nada na legislação infraconstitucional pode ser aplicado de maneira incompatível com os princípios impostos pela Constituição Federal e que constituem os fundamentos da República, pois do contrário a própria lei ordinária perde a razão de ser. 

Afinal, é tudo uma questão de princípios.

Os artigos publicados no site da OAB/RJ não refletem, necessariamente, a opinião da entidade.