As precárias condições das instituições de medidas socioeducativas e das entidades responsáveis pelo acolhimento de criançase adolescentes em situação de vulnerabilidade no Brasil foram os principais pontos abordados durante a visita à Seccional do presidente do Comitê de Direitos da Criança da ONU, Luis Pedernera. O uruguaio foi recebido na tarde desta sexta-feira, dia 23, pelo presidente da Ordem, Luciano Bandeira, que alertou para a "situação de masmorras medievais" enfrentada por menores infratores no país. O Estado Brasileiro não cumpre sua própria legislação nem tratados internacionais, submetendo jovens ao cumprimento de penas e não de medidas socioeducativas", afirmou, observando que a Ordem acompanha de perto diversos debates e ingressou com uma ação contra a utilização de armas letais pelos agentes do sistema socioeducativo. Para Luciano, o desleixo governamental com a causa segue a trilha das estatísticas de mortes violentas no país, que colocam homens negros e pardos, entre 15 e 25 anos, como as principais vítimas de assassinato. "Está em curso uma política persistente de extermínio de nossa juventude negra e pobre. É uma situação que perturba muito, pois acaba com qualquer possibilidade de futuro", denunciou.A visita de Pedernera ao país foi motivada pelos 30 anos da convenção dos direitos da criança. Pela quarta vez no país, o uruguaio, que é o primeiro presidente latinoamericano do grupo, afirmou reconhecer a Ordem como uma entidade comprometida com os Direitos Humanos e com questões sociais e ressaltou a importância da elaboração de denúncias de violações dos direitos das crianças e seu posterior encaminhamento para a ONU. Ele explicou que durante sua estada vem escutando propostas de melhorias, que serão levadas aos membros do comitê. O encontro foi organizado pela Comissão de Direito Internacional da Seccional, representada pelo presidente, Carlos Nicodemos; pela vice-presidente, Michelle Gueraldi; e pela secretária-geral, Camila de Carvalho. Afeitas ao tema da reunião, as presidentes das comissões de Direito da Criança e do Adolescente, Silvana do Monte, e de Direito Socioeducativo, Margarida Prado, também participaram, bem como o secretário-geral da Comissão de Direitos Humanos, Ítalo Aguiar.Silvana do Monte descreveu a Pedernera a situação das instituições de acolhimento, que, segundo ela, são tão graves quanto às das socioeducativas, inclusive com a utilização de contêineres como habitação. "As crianças que estão lá são vítimas. O mínimo que o estado deve fazer é dar condições de vida a elas", complementou. Na mesma linha, Aguiar ponderou que, apesar de possuir uma legislação avançada, "a única preocupação no Brasil é com a parte de responsabilização dos menores, jamais com as obrigações do Estado". O não cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e a dificuldade em interditar unidades socioeducativas sem condições foram denunciados por Margarida Prado, para quem a falta de compreensão das casas legislativas e dos tribunais em relação às especificidades do tratamento de crianças e adolescentes torna o quadro ainda mais caótico. "Temos, também, um problema político. Há coordenadores de varas de infância e juventude propagando um discurso punitivista em relação a menores, utilizando-se de seus cargos para batalhar contra os propósitos das próprias instituições", criticou.Com mandato até 2021, Pedernera afirmou ter ligação com o Brasil – "nasci na fronteira", explicou – e considerou que, apesar do enorme número de violações, vê uma conjuntura favorável ao trabalho do comitê. "Temos situações que podem ser melhoradas, mesmo que com muito trabalho, e membros altamente comprometidos", pontuou. Ao final do encontro, Luciano entregou a Pedernera uma cópia da ação civil pública impetrada pela ordem contra sigilo do manual da Polícia Civil para uso de helicópteros. O uruguaio se comprometeu a publicizar a manifestação da Seccional entre os membros do comitê.A diretora executiva do projeto Family for Every Child, Amanda Griffith, o assessor da Presidência da OAB/RJ, Carlos André Pedrazzi, e o diretor de Comunicação da Seccional, Marcus Vinícius Cordeiro, também participaram da reunião. Marcus Vinicius, inclusive, colocou os meios de comunicação da entidade à disposição para veicular campanhas do comitê. Nesta sexta, Pedernera também participou de evento no Instituto dos Advogados Brasileiros.