26/07/2023 - 16:47 | última atualização em 26/07/2023 - 18:21

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Prisão especial para advogados: prerrogativa da sociedade

A advocacia é essencial para a democracia e deve ser preservada com o mesmo cuidado

Por Luciano Bandeira*




A decisão do Supremo Tribunal Federal que extinguiu a prisão especial para os brasileiros e brasileiras que possuem curso superior é, sem dúvida alguma, uma vitória da democracia. Não havia mais razão para a manutenção deste tipo de privilégio, por sinal incompatível com tudo o que prega a Carta Magna de 1988, e o princípio constitucional da isonomia, em que todos são iguais perante a lei.

O STF busca com essa decisão atualizar uma lei de 1941, que não encontra qualquer acolhida, quase 100 anos depois, numa sociedade em constante evolução, e que, em 2023, muito pouco se assemelha àquela da primeira metade do século passado. Os tempos são outros, já diria o poeta. A título de comparação, seria o mesmo que decidir se as mulheres têm ou não o direito a voto. Causa espanto? Sim, como também nos causava a prisão especial para curso superior.

“Mas, e a advocacia?” A advocacia não está enquadrada na decisão do ministro Alexandre de Moraes, o que pode, sim, suscitar especulações em torno dos porquês da medida. E assim sendo, faz-se necessária uma devida explicação à sociedade, por ser esta, também, uma questão basilar para o Estado democrático de Direito.

Diferentemente das demais profissões de curso superior, a advocacia é indissociavelmente ligada à Justiça. O advogado ou a advogada é o representante legal do cidadão ou da cidadã junto ao Poder Judiciário. Logo, está diuturnamente exposto a tudo o que envolve um processo judicial, assim como magistrados, integrantes do Ministério Público ou das forças de segurança pública.

Vamos pegar como exemplo os advogados que atuam como assistente de acusação, ao lado do Ministério Público, para condenar um criminoso. Igualmente quando um advogado defende alguém que, ao final de um processo judicial é condenado e precisa cumprir a pena imposta pelo Estado. De fato, há uma infinidade de processos judiciais, por diversas razões, envolvendo criminosos, suspeitos e inocentes. E todos temos direito à defesa, que precisa ser feita por um advogado ou advogada.

É imaginável para alguém que este profissional, tendo em vista a realidade da violência, possa vir a ser preso em cela comum, com integrantes de uma facção rival a do seu cliente? Um exemplo ainda mais claro: é cabível que um agente de segurança pública, policial, civil ou militar, cumpra algum tipo de pena em cela comum? Os profissionais da Segurança Pública têm o benefício de presídios exclusivos!

É dever do Estado garantir a integridade física também destes profissionais. No caso da advocacia, especificamente, a garantia do exercício profissional, o que chamamos de prerrogativas, é muitas vezes propositalmente confundida com privilégios por aqueles que têm pavor do Estado democrático de Direito.

A prerrogativa da advocacia não se aplica ao advogado ou à advogada, mas em favor do cidadão. A prerrogativa da advocacia é uma garantia da sociedade para que aquele ou aquela que vá ao tribunal lhe defender de uma prisão arbitrária, de uma cobrança ilegal, de um esbulho da propriedade ou qualquer outro conflito da vida cotidiana, possa atuar com o destemor necessário para a garantia do seu direito. A advocacia é essencial para a democracia e deve ser preservada com o mesmo cuidado. Uma sociedade em que a advocacia tem medo, ninguém tem direito e, muito menos, Estado de Direito.


*Luciano Bandeira é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Rio de Janeiro. Artigo publicado nesta quarta-feira, dia 26 de julho, no Blog 'Fumus Boni Iuris' do O Globo em contraponto ao artigo do jornalista Roberto Feith. 

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