27/08/2020 - 09:21 | última atualização em 28/08/2020 - 16:49

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Dia Nacional de Luto: data marca 40 anos da bomba contra sede da OAB

Clara Passi


O significado do ato de cobrir com a bandeira nacional o caixão de dona Lyda Monteiro, secretária do então presidente da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, morta aos 59 anos no atentado a bomba contra a sede do Conselho Federal, em 1980, continua pertinente hoje, 40 anos depois, neste 27 de agosto. 

Talvez hoje mais do que nunca, diante da atuação incansável da Ordem para conter as investidas antidemocráticas em curso no país. O trauma ainda ressoa e, por isso, o Conselho Federal alterou este ano seu calendário oficial para tornar a data o “Dia Nacional de Luto da Advocacia Brasileira”. A mesa estraçalhada da secretária fica exposta permanentemente na sede da entidade, em Brasília. 

Bastião do Estado democrático de Direito na essência, a Ordem era antagonista natural do regime militar: denunciava desaparecimentos e torturas de perseguidos e presos políticos pela ditadura. Seabra Fagundes foi o destinatário da carta-bomba enviada pelos agentes da ala radical do regime, que, supostamente, agiram à revelia do comando central. 

O ato de terrorismo contra a entidade e a morte de dona Lyda, portanto, devem ser lidos como um golpe contra o ideal de um país livre e com garantia de direitos aos seus cidadãos.  

A Caarj tem em seus quadros uma testemunha ocular do episódio, o ascensorista Eliseu Santana, de 65 anos. Ele relata que deixou o envelope-bomba na mesa da colega de trabalho, junto com as demais correspondências do dia. Funcionário da Ordem desde 1978, Santana guarda na sala de casa um retrato de dona Lyda. 

“Assim que voltei à portaria, ouvi o estrondo que chegou a arrancar a janela do corredor do andar. Ao contrário dos amigos, não quis acreditar que minha amiga estava morta quando a encontrei, mesmo vendo que a explosão havia lhe arrancado a mão”, lembra ele, com pesar. 

Embora a aproximação da efeméride reative toda a tristeza do episódio, Santana diz sentir segurança na democracia que voltou a vigorar no país em 1985 e firmeza na atuação da Ordem. “ Tenho orgulho de trabalhar lá por todos esses anos”. 

Filho da secretária, o advogado Luiz Felippe Monteiro Dias afirma não guardar ódio ou rancor em relação ao episódio e diz ter superado o mais difícil dos desafios nesses quarenta anos: não tentar revidar pelos mesmos meios. 

“Jamais me tornei um deles pois sempre acreditei no Direito e na solução pacífica dos conflitos. Por isso, apelo a todos os democratas que nunca desistam dessa luta”, afirma ele, em artigo escrito especialmente para o Conselho Federal da OAB, intitulado 'Quarenta anos de D.Lyda: Presente!'. Leia a íntegra aqui.

“A boa política é a arte do convencimento e da persuasão. Precisamos resgatar aqueles que ficaram no lugar do ódio, do preconceito, da negação da ciência e trazê-los para o lugar da democracia, da igualdade e da solidariedade. Foi com estes valores que eduquei os meus filhos, netos de D. Lyda”. 

Em 2015, a Ordem divulgou o relatório da Comissão Estadual da Verdade do RJ, grupo de trabalho instituído pelo então presidente da Seccional, Wadih Damous, para apurar os autores do atentado.  O presidente do Conselho Federal à época, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, entregou uma cópia do documento ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitando que o órgão tomasse as medidas cabíveis. A família de dona Lyda não foi comunicada de qualquer desenvolvimento do caso até aqui, garante Luiz Felippe.

Segundo testemunhas ouvidas pela Comissão da Verdade, a ação foi comandada pelo coronel Freddie Perdigão Pereira, e a bomba foi confeccionada pelo sargento “Wagner” (Guilherme Pereira do Rosário, morto no atentado do Riocentro). O sargento “Guarani” (Magno Cantarino Motta), agente do DOI, foi quem entregou pessoalmente o artefato.

A urgência de reafirmar hoje os valores que sustentam a OAB e que Seabra tão bem encarnava, levou a entidade a rebatizar o edifício histórico da Avenida Marechal Câmara, 210 - onde ocorreu o atentado - com o nome de Seabra Fagundes. Hoje o prédio abriga o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e a Escola Superior de Advocacia (ESA). 

Na cerimônia que marcou a troca de nome, em fevereiro deste ano, o presidente do Conselho Federal, Felipe Santa Cruz, em discurso emocionado, exaltou o ídolo, que morreu em 2019, aos 83 anos.

“Nestes corredores homens e mulheres como Eduardo Seabra Fagundes, Bernardo Cabral e muitos outros resistiram à ditadura militar, ao autoritarismo, à força da opressão, negaram um caminho do Brasil do ‘sim, senhor’, afirmaram que acreditavam  no contraditório”.

Um ato público, com a participação de cerca de 150 pessoas à porta do prédio da Caarj, antiga sede do Conselho Federal, marcou os 30 anos do atentado. Na ocasião, foi inaugurada uma placa no edifício histórico em homenagem à Lyda.

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